São Paulo, sábado, 10 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Código Civil já nasce velho

RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

Tramita "silencioso" no Congresso, desde 1995, o projeto do Código Civil Brasileiro que, se aprovado, virá substituir o de 1916. A idéia de elaboração de um novo Código Civil data de 1961, governo Jânio Quadros, cujo anteprojeto foi confiado a Orlando Gomes.
Mesmo com a renúncia do presidente, a idéia foi adiante. Em 1963, com a colaboração do então ministro Orozimbo Nonato e do professor Caio Mário da Silva Pereira, foi entregue ao ministro da Justiça Milton Campos o resultado do árduo trabalho. O projeto "empacou".
Em 1969, tentou-se reerguê-lo. Em comissão formada por Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves e outros, elaborou-se um novo anteprojeto, só apresentado em 1975. Esse projeto foi aprovado sem emendas pela Câmara dos Deputados e remetido ao Senado em 1984. Aí, foram apresentadas 360 emendas, e em 1991 estava arquivado.
Em 1995, reativado o projeto do Código Civil, foi nomeado o senador Josaphat Marinho como relator-geral. Assim, tramita no Congresso o novo projeto do Código Civil Brasileiro. Feitas algumas modificações, a sua estrutura é a mesma daquele apresentado em 1961-63.
Agora, com esse novo impulso e esse novo projeto que tramita "silencioso", faz-se necessário que se abra e seja apresentado à sociedade brasileira, para que sejam discutidos os seus aspectos. Afinal, é um dos instrumentos jurídicos mais importantes, pois é determinante das relações civis. É claro que essa discussão é possível, basta que seja traduzida para uma linguagem que possa ser apreendida pelo cidadão comum.
A parte desse projeto relativa à família já nasceu velha. Está na contramão da história. No limiar do terceiro milênio, em que a família é vista de forma plural, ou seja, em que já se reconhecem várias formas de família, o legislador insiste em nomeá-las legítimas e ilegítimas. Ora, essa é uma nomeação totalmente descabida, retrógrada, que nem mesmo está de acordo com a Constituição de 1988.
Tal projeto desconsidera totalmente a possibilidade de outras formas de família. Não trata nem sequer se refere a questões de procriação artificial. Outra aberração desse projeto está também em seu artigo 1.602, que continua distinguindo e nomeando filhos legítimos e ilegítimos, quando o artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição já aboliu essas distinções.
A estrutura do livro de família está ultrapassada. Se aprovado tal projeto, da forma como está, ele já nascerá velho e arcaico. Não somente o jurista, mas também o legislador deverão buscar princípios e conceitos que a contemporaneidade já traduziu para a família. Não entender isso é mesmo ficar na contramão da história.
O direito de família é apenas um exemplo do conservadorismo desse projeto. Isso para não falar sobre outros aspectos determinantes em nossa vida lá tratados, como posse e propriedade. Como bem disse o cientista do direito, João Baptista Villela: "O projeto, tal como está concebido, é uma idéia do século 19. E pretende reger a sociedade brasileira do século 21...".
A importância de abrir a discussão faz-se no sentido do exercício da democracia. É necessário que o povo tome consciência de que terá um novo Código Civil velho, e possa interferir nos rumos dessa aprovação, inclusive para saber se o dinheiro público gasto ali naquela tramitação será em vão ou se responderá às suas necessidades.

Texto Anterior: O que diz a lei
Próximo Texto: Shakespeare disse tudo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.