São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Clínicas de fertilidade violam lei

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

As clínicas de fertilidade no Brasil estão fora de controle. Não há fiscalização, nem lei. Levantamento feito pela Folha mostra que ginecologistas que tratam de casais estéreis fazem o que querem.
Grávida de trigêmeos decide eliminar dois embriões e o médico diz "OK". Pai de três meninas quer porque quer um menino e o médico diz "tudo bem, podemos fazer escolha de sexo". Solteira aos 40 quer ter um filho sem precisar de homem e o médico diz: "É possível. Temos banco de esperma".
Tudo isso é vetado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e tudo isso é praticado por clínicas de reprodução (veja as normas de 1992 que são burladas na pag. 3-3). Aborto é vetado por lei e médico que desrespeita as normas do CFM pode ser cassado.
Ao contrário do Reino Unido, onde a morte de embriões e o aborto em um dos gêmeos da senhora B. provocam grita geral, aqui não há celeuma.
Não há porque existe um pacto de silêncio nesse mundo de clínicas cujos equipamentos valem até R$ 3 milhões e de tratamentos que vão de R$ 1 mil a R$ 7 mil para uma única tentativa de engravidar.
O cliente paga e tem quase tudo o que quer. O médico embolsa e faz o que quer. Poderia ser o melhor dos mundos não fosse um detalhe: reprodução envolve genética e pode tanto ajudar um homem estéril a ter filhos como um maluco a inseminar 70 mulheres com seu sêmen, como aconteceu nos EUA.
"No Brasil, essa área se parece com o velho oeste. É uma terra sem lei", diz Paulo Cesar Serafini, 43, ginecologista brasileiro que trabalha na Califórnia, onde as clínicas são vigiadas por entidades científicas, consumidores e pelo governo.
Terra sem lei e sem ética, seja ela qual for. Ética, no caso de reprodução, não serve só para punir o erro médico, a barbeiragem. É a velha discussão do certo e do errado, do bem e do mal -só que associada à mais avançada tecnologia, até de manipulação genética.
É certo escolher o sexo do bebê? Uma mulher pode ter um filho sozinha? E na menopausa? Pode-se destruir embriões congelados?
Pode tudo, vale o desejo do casal, diz Milton Nakamura, 62, o ginecologista que fertilizou o primeiro bebê de proveta da América Latina, a garota Anna Paula Caldeira, hoje com 11 anos e QI 140.
Nakamura, ex-professor da Unicamp, afirma que as normas do Conselho Federal de Medicina são equivocadas cientificamente, mas que são melhores do que nada. O problema é que diverge filosoficamente de seus princípios. "O desejo do casal está acima de qualquer lei", defende.
Por posições como essa, Nakamura responde a processos no Conselho Federal de Medicina.
Teoricamente, deveriam ser mantidos em sigilo pelo CFM. Na prática, o próprio Nakamura toma a iniciativa de comentá-los:
"O pessoal do conselho tem coisas mais importantes para cuidar. Milton Nakamura é bonzinho. Respeito a ética da Sociedade Americana de Fertilidade porque sou anterior à norma brasileira."
O aborto, chamado eufemisticamente de "redução embrionária" pelos médicos da área, é praticado para minimizar um dos efeitos colaterais das técnicas de reprodução -a gravidez múltipla.

LEIA MAIS da pág. 2 à 5

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