São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Ficar grávida já não requer um homem

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

É o crepúsculo do macho ou, pelo menos, da necessidade de um macho em carne e osso para gerar. Mulheres podem ir a um banco de sêmen, escolher seu tipo predileto e ter a criança.
Poder não pode, segundo o Conselho Federal de Medicina, mas já há médicos falando abertamente sobre a questão.
"Tenho o direito de chegar para a mulher e dizer que ela não pode ter um filho independentemente?", pergunta Eduardo Motta.
Ele acha que não. Tanto que trata mulheres que vivem sozinhas.
O Conselho Federal de Medicina diz em suas normas sobre reprodução assistida, elaboradas em 1992, que as técnicas só devem ser usadas em mulheres com problemas de fertilidade.
"Produção independente é um assunto polêmico, que deve ser discutido, mas pelas regras atuais não pode", diz Henrique Pedrosa, secretário-geral do Conselho Federal de Medicina.
Ética própria
O ginecologista Milton Nakamura criou um mecanismo sofisticado para decidir em que casos aceita fazer "produção independente" em mulheres.
Tem um conselho de ética em sua clínica, formado por um psiquiatra, um geneticista e um especialista em reprodução. "Já fizemos uns cinco casos", informa.
"Faço produção independente quando há razões emocionais e éticas muito fortes", afirma Roger Abdelmassih.
Em um dos casos que aceitou, a mulher compareceu à clínica com os pais, depois de perder o marido à beira dos 40 anos.
A paciente não teve sorte: acabou abortando.
Abdelmassih diz que já foi procurado por um casal de lésbicas. A mais nova tinha cerca de 25 anos e a mais velha, perto dos 40. A mais nova queria que Abdelmassih retirasse óvulos da outra, fizesse um fecundação in vitro e introduzisse o embrião no útero dela.
"Elas queriam simular que uma delas era homem e conseguiu engravidar a outra. Não aceitei", conta.
Ele diz que não faz fertilização em lésbicas por razões religiosas -é católico praticante e costuma comungar. Acha que a religião não é um impeditivo a seu trabalho: "Deus não quer a vida? Eu ajudo a chegar a ela".
O pediatra Gabriel Oselka, 55, ex-presidente dos conselhos federal e estadual de medicina, acha que o veto do CFM à produção independente talvez já não tenha mais sentido.
"Como pediatra, acho mais adequado uma criança ser criada por pai e mãe. Mas, como cidadão, acho que uma mãe pode criar um filho sozinha com mais amor e carinho que muitos casais por aí", afirma Oselka.
(MCC)

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