São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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O Congresso e a "farra do dólar"

ALOYSIO BIONDI

Na virada do mês, cotações do dólar e juros dispararam, provocando rumores de "quebradeiras" de instituições financeiras -e o Banco Central, mais uma vez, "socorreu o sistema", torrando US$ 2 bilhões para contornar a situação.
Nos dias seguintes, surgiram versões "policialescas" para a crise: um banco brasileiro teria aproveitado a queda do ministro Cavallo, na Argentina, para espalhar boatos sobre uma maxidesvalorização do peso, espalhando pânico no mercado. As mesmas historinhas que surgem a cada crise no mercado financeiro, ótimas para desviar a atenção da opinião pública e enganar o Congresso Nacional.
A verdade? Quem a confessa é o próprio diretor da área internacional do Banco Central, Gustavo Franco, em entrevistas. A "corrida" no mercado de dólar (e juros) colocou à mostra, mais uma vez, que todo o sistema financeiro brasileiro é marcado por jogadas alucinantes, graças à espantosa conivência do Banco Central.
Jogadas que rendem bilhões de lucros a grupos privilegiados -até o momento em que um imprevisto qualquer traz prejuízos também violentos a bancos, instituições, empresas e investidores envolvidos. Aí, o BC, o governo, "socorre" o mercado, sem evitar perdas fantásticas a milhões de investidores ou clientes das instituições, ao Tesouro, à economia.
Terra de ninguém
Qual a confissão de Gustavo Franco? Para entendê-la, é preciso relembrar que, além das Bolsas de Valores, onde são negociadas ações, existem as Bolsas que só negociam "apostas", sob a forma de contratos.
Nesse chamado "mercado futuro", são negociados contratos para a venda e compra de ouro, dólar (e até "taxas de juros") para pagamento daqui a 30, 60, 180 dias, com preços fixados entre vendedor e comprador.
Se, no final do prazo, os preços tiverem caído, o comprador (que se comprometeu a pagar mais caro) perderá; se os preços subirem acima do previsto , as perdas serão do vendedor (que venderá por menos, o combinado).
Triste recorde
Nos últimos três anos, houve incrível expansão desses negócios com os contratos de compra e venda "futura" de dólar -e juros-, na Bolsa de Mercadorias e Futuros. Batendo recordes sobre recordes, o movimento de negócios já colocou a BM&F entre as três maiores do mundo.
Motivo de orgulho? Não. Retrato da "farra" que é o mercado financeiro no Brasil. Irritado com críticas ao BC, seu diretor Gustavo Franco acabou revelando o que o governo sempre esconde: "Franco descartou as acusações (de manobras) contra um banco", e apontou distorções do mercado que o colocam em risco e provocam corridas.
"A BM&F permite -diz ele- que uma instituição assuma posição (isto é, o valor dos contratos) acima do limite permitido, que é (seria) de 25% sobre os contratos de uma série". Além disso, há possibilidade de "instituições assumirem posições maiores que o patrimônio".
Traduzindo, em português claro: a BM&F cresceu explosivamente porque não exige garantias (como depósitos em dinheiro, nem impõe limites, normais em outros países, para realização de negócios). Houve uma grande "farra", lucros bilionários. E, como sempre, instituições e clientes com negócios superiores ao seu patrimônio. Isto é: em qualquer crise, não têm como pagar os prejuízos. Aí, surge o socorro do governo.
Moral da história: nem mesmo depois dos escândalos do Nacional e do Econômico o Banco Central mudou seu comportamento, de conivência com os desmandos do mercado financeiro. E o Congresso Nacional? É tratado como reles capacho pela equipe econômica.

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