São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pobreza sai da barriga

GILBERTO DIMENSTEIN

A cada 30 segundos o Brasil produz uma silenciosa tragédia -uma adolescente tem um filho ou aborta.
Coletados pelo Ministério da Saúde, documentos produzidos pelos hospitais informam que 1 milhão de adolescentes (dez estádios do Morumbi lotados) engravidam todos os anos, gerando 238 mil abortos.
Universidades americanas produziram detalhados estudos indicando como a gravidez precoce ajuda a perpetuar a pobreza e custa ao país US$ 7 bilhões por ano. A imensa maioria das mães solteiras vive de pensões governamentais.
A garota é, em geral, expulsa da escola, não se qualifica profissionalmente e se submete a baixos salários. O filho tende a exibir pior desempenho educacional e, segundo as estatísticas, está mais próximo da criminalidade.
Enquanto nos EUA o tema conquistou sólida posição na agenda de prioridades, no Brasil nem mesmo as altas esferas de governo conhecem a dimensão da gravidez precoce.
*
Reveladora da omissão nacional, a estatística é praticamente clandestina; raríssimas pessoas sabem que a taxa chega a 1 milhão.
Consequência da desinformação, a ofensiva para reduzir o problema beira entre o tímido e o inexistente, restrita ao esforço heróico e isolado de servidores públicos das áreas de saúde e educação, além de organizações não-governamentais.
Resultado: de acordo com as estatísticas do Ministério da Saúde, aumenta ano a ano o número de adolescentes que engravidam.
*
Apesar dos avanços, o planejamento familiar ainda engatinha, poucas escolas estimulam educação sexual, não existem campanhas de esclarecimento nos meios de comunicação.
Para piorar, os políticos temem irritar a Igreja Católica, presa a dogmas respeitáveis, mas, na prática, um desastre na prevenção à gravidez.
*
PS - Conheci vários padres e freiras que moram em bairros pobres. Em conversas francas e discretas, dizem que apenas não defendem publicamente os métodos anticoncepcionais por uma questão hierárquica. Por viverem com a pobreza, consideram irreal a postura do Vaticano e não condenam métodos anticoncepcionais.
*
Reconhecimento: a Fundação Odebrecht realiza um dos mais notáveis trabalhos de divulgação de educação sexual no Brasil. Além de realizar oficinas nas escolas, ela elaborou o mais completo guia de material didático sobre educação sexual.
*
Com verbas da ONU, funciona em Brasília um projeto-modelo no Paranoá, cidade-satélite miserável. Adolescentes são estimulados a debater sobre gravidez e sexualidade por meio do teatro. O grupo encena em escolas públicas.
*
A principal gestação em Brasília é a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Depois de seis dias de conversas com articuladores políticos, ministros e assessores do presidente, constatei que o núcleo do governo já definiu a tática para a aprovação.
Em novembro, o presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, submeteria a emenda da reeleição à comissão especial. No começo de dezembro, vai ao plenário.
As datas embutem uma jogada. Em dezembro, seria o último mês do mandato de deputados eleitos prefeitos; todos, portanto, com interesse na própria reeleição na prefeitura, nas quais ainda nem sequer tomaram posse.
*
Os articuladores do presidente avaliam que a batalha vai ser duríssima. Mas confiam numa aliança: estariam juntos governadores e prefeitos, de olho no próprio umbigo, estimulados pelo poder econômico.
*
Na Esplanada dos Ministérios, desenvolveu-se a tese da reeleição por "gravidade". Haveria uma força natural puxando a candidatura; a economia iria crescer numa média de 5% ao ano, e a inflação continuaria baixa, dificultando o surgimento de uma alternativa presidencial sólida.
*
As pesquisas que chegam ao Palácio do Planalto constatam crescente erosão do prestígio presidencial na classe média.
Aposta-se, entretanto, que Fernando Henrique Cardoso garantiria sustento em dois extremos: entre os ricos, supostamente interessados na estabilidade, e entre os mais pobres, supostamente satisfeitos com o aumento de consumo gerado pelo Plano Real.
*
Mas temem que o aumento do desemprego em centros urbanos formadores de opinião (São Paulo, por exemplo) crie espaço para um discurso de oposição, com ressonância na classe média.
*
PS - Cada vez que venho ao Brasil noto que uma nova agenda brasileira se aprofunda, graças ao amadurecimento democrático -menos no governo e mais na sociedade.
Extraordinário sinal de que o país melhora foi emitido por São Paulo. O respeito ao rodízio do trânsito é prova de civilidade e cidadania.
Quem imaginava que o trânsito da cidade não tinha salvação, estava tão enganado quanto aqueles que imaginam que o Brasil não tem solução.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212)873-1045

Texto Anterior: TRECHOS
Próximo Texto: Nasa vai tentar achar ser vivo em Marte
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.