São Paulo, sábado, 17 de agosto de 1996
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Eloy Martínez revela necrofilia argentina

MURILO GABRIELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Seu cadáver é o primeiro desaparecido da história argentina." Assim descreve o argentino Tomás Eloy Martínez a personagem central de seu romance histórico "Santa Evita".
Não se trata de mero jogo de palavras: além de narrar vida, morte e pós-morte da mulher do presidente Argentino Juan Domingo Perón, o livro pretende (ao lado de outro de lavra do mesmo autor, "La novela de Perón") expor a gênese do autoritarismo em seu país.
A origem de obra remonta a uma série de entrevistas realizadas por Eloy Martínez, 62, com Perón -para a publicação de uma biografia autorizada do político em revista portenha.
As omissões e esquecimentos do presidente, e sua posterior recusa em incorporar as correções ao texto final, motivaram o autor a publicar, sob forma de romance, a sua versão dos fatos.
"Desde sempre os que estão no poder manipulam a história. Por que um escritor não poderia fazer o mesmo, provavelmente com maior dose de verdade?"
O resultado ("La Novela de Perón") vendeu 120 mil cópias em países hispanoparlantes.
Motivou, também, em 1989, três membros do serviço de inteligência argentino a convidarem Eloy Martínez para um jantar, no qual apontaram erros que o livro continha sobre o périplo do corpo de Evita entre 1952, ano de sua morte, e 1968, quando reapareceu.
Iniciou-se, então, a saga de "Santa Evita", que seria publicado seis anos, dezenas de entrevistas e quatro versões depois.
Em sua forma definitiva, o romance começa no dia da morte da ex-atriz. A partir daí, desenvolve-se em três planos distintos.
Avança, contando a história do corpo: seu embalsamamento, a produção de três cópias em cera, seu "exílio" (motivado pela queda de Perón, em 1955) e o destino final das quatro versões, após viagens pela Argentina e Europa.
Retrocede, narrando a vida de Evita, até o dia de seu nascimento, bastardo, na Província de Junín, no norte do país.
Expõe a maneira como o autor travou conhecimento com a história, e sua relação com o mito: uma inicial conversão ao culto seguida de desencantamento.
A idéia de se transformar em personagem, surgiu, segundo Eloy Martínez, em entrevista com membros da Fundação Guggenheim, para os quais explicava seu fracasso em produzir um livro por ela financiado.
Para Eloy Martínez, a necrofilia de seus compatriotas tem raízes profundas, estando presente, por exemplo, na descrição que faz Ullrich Schmidt, primeiro cronista da América a chegar à região, da subida de em corpo pelo rio da Prata.
Ainda segundo o autor, esse apego aos mortos cresceu na segunda metade deste século, na exata proporção em que piorava a situação do país (que fora a sétima potência mundial em 1910).
O cotejo com seu passado glorioso (e seus heróis), se ajudou a manter a sanidade do povo frente à decadência, sempre assombrou a possibilidade de ressurreição.
Mantêm o tom necrófilo do romance as constantes aparições do coronel Moori Koenig, obscuro especialista em boatos da Inteligência e guardião do corpo de Evita, com quem passa a manter uma relação cada vez mais doentia.
Tomás Eloy Martínez é, além de romancista e roteirista de cinema, jornalista e diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos da Rutgers University (EUA). "Santa Evita" já foi traduzido para 22 idiomas e vendeu 150 mil cópias.

Título: "Santa Evita"
Autor: Tomas Eloy Martinez
Preço: R$ 28

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