São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 1996
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Netanyahu enfrenta contradições do poder

CLAUDIO GARON
DA REDAÇÃO

A eleição de Binyamin "Bibi" Netanyahu para a chefia do governo israelense lançou uma incógnita sobre o futuro do processo de paz no Oriente Médio.
Na opinião de David Horovitz, secretário de Redação da revista "The Jerusalem Report", "há muitas contradições que Netanyahu tem de resolver".
No Brasil para o lançamento do livro "Yitzhak Rabin, o Soldado da Paz", Horovitz participa hoje de um debate na Folha.
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CONTRADIÇÕES - "Netanyahu sempre se opôs ao acordo de paz com os palestinos. Nunca confiou em Iasser Arafat. Ele acha que tudo não passa de um truque: Arafat afirma estar disposto a viver ao lado de Israel, mas se conseguir Gaza e a Cisjordânia, vai tentar Jerusalém, e se conseguir Jerusalém, tentará rebelar os árabes da Galiléia (norte de Israel).
Essa desconfiança também se reflete na composição de sua assessoria pessoal e do gabinete, no qual ministros encaram com ceticismo a retirada das tropas israelenses de Hebron, o próximo passo segundo o acordo de paz. Por outro lado, Netanyahu tem um mestrado em administração de empresas pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA). Ele entende como a economia funciona, o que é inédito para um primeiro-ministro israelense.
Ele sabe que o fracasso da pacificação do Oriente Médio seria um desastre para a economia israelense e uma receita para um conflito com os palestinos, bem como uma ameaça a todos os demais acordos, entre eles um que ele preza muito, o acordo com a Jordânia.
Além disso, percebeu em dois meses no poder que havia subestimado Arafat no que se refere à cooperação entre as forças de segurança israelense e palestina. Ele não é perfeito, mas está fazendo um bom trabalho.
Acho que Netanyahu não sabe o que fazer para resolver essas contradições. De certa forma ele parece querer manter as coisas como estão: o relacionamento preferencial com os EUA, mas ao mesmo tempo quer expandir os assentamentos nos territórios ocupados.
Eu acho que as perspectivas não são boas. Os israelenses se renderam a seus medos quando votaram em Netanyahu. Eles sabiam que Peres não havia parado as bombas e acharam que talvez Netanyahu pudesse fazê-lo, sem nenhum motivo real para essa opção."
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RABIN E ARAFAT - "Netanyahu terá de aprender a conviver com Arafat. Temos de lembrar que Rabin também estava inseguro ao começar o processo de paz. Duas cenas estão entre as mais representativas de todo esse processo.
A primeira é de setembro de 1993, quando Rabin se encontrou pela primeira vez com Arafat na Casa Branca e hesitou ao cumprimentá-lo. O porta-voz de Rabin chegou a enviar uma mensagem a Clinton dizendo que ele faria o cumprimento, mas sem beijos ou abraços. Rabin sabia que teria de fazê-lo, mas quando o momento chegou, hesitou.
Mas dois anos depois, em setembro passado, quando assinaram o Oslo 2, sobre a ampliação da soberania palestina, a linguagem corporal foi totalmente diferente.
Houve vários discursos e Arafat falou por um longo tempo. Quando foi a vez de Rabin falar, a primeira coisa que disse foi uma piada, o que quase nunca fazia. 'Primeiro a boa notícia, eu sou o último a falar', o que não é uma boa piada, mas é uma piada.
A seguir, disse algo impressionante. 'Vocês sabem que nós judeus temos uma reputação para a oratória. Enquanto eu estava sentado, escutando o presidente Arafat, seu longo e belo discurso, e eu comecei a me perguntar: terá o presidente talvez um traço de sangue judaico?' Isso demonstra a mudança de atitudes: da hesitação em apertar as mãos a piadas..."
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FUTURO - "Mesmo sendo um pouco pessimista não podemos esquecer como as coisas mudam. Em 1992, tínhamos um governo que formalmente não admitia a possibilidade de fazer a paz com Arafat. Agora, quatro anos depois, a então oposição direitista e de linha-dura está enviando ministro para se encontrar com Arafat.
Houve uma enorme mudança de atitudes frente à OLP. Já não será uma grande mudança para Netanyahu se encontrar com Arafat.
Hoje, não há mais alternativa. Se você deslegitimar Arafat, se ele for deposto, morto ou se tornar agressivo novamente, qualquer oportunidade terá sido destruída, porque você terá de lidar com o Hamas, que nem finge querer a paz."
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SÍRIA - "Nós tivemos por quatro anos um governo que estava disposto a fazer um acordo com a Síria, que provavelmente devolveria as colinas de Golã a Damasco. A única coisa que Hafez al Assad (presidente da Síria) precisava fazer era uma ligação telefônica.
Assad colocou a sua sobrevivência acima dos interesses do país. Ele pensou que se fizesse a paz com Israel, ficaria mais próximo dos EUA, a CNN estabeleceria um escritório em Damasco, os sírios entenderiam o que é democracia e poderia ser o fim de seu regime.
Assad é um personagem importante na região, mas se fizer a paz com Israel pode se tornar irrelevante. A Síria será um país pequeno com uma economia fraca. Mas não devemos subestimá-lo. Entre os vizinhos de Israel, ele é o mais capaz de causar danos."
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RELIGIOSOS E SECULARES - "Se você observar as demonstrações das últimas semanas em Jerusalém, se dará conta de que é um problema grave. A Bar Ilan é uma rua importante que passa por um bairro ortodoxo.
Os religiosos dizem que o sabá (sábado) significa, entre outras coisas, não dirigir um carro, por isso querem que as demais pessoas usem outro caminho. Os seculares afirmam entender, mas se aceitarem, os religiosos vão querer fechar mais ruas, até ser proibido dirigir aos sábados em Jerusalém."

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