São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 1996
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As digitais de Maluf

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Lobo velho perde o pêlo, mas não perde a manha, ensina velho ditado que aprendi na Argentina. Serve à perfeição para o prefeito paulistano, Paulo Salim Maluf, ou ao menos para o artigo que publicou ontem nesta Folha.
Nele, Maluf entoa um hino de amor à democracia e posa de campeão da luta pela liberdade no Brasil. Falso como nota de R$ 7,50.
Maluf diz que suas candidaturas biônicas ao governo paulista e à Presidência da República foram marcos na luta para reformar, "por dentro", o regime autoritário.
Que nada. Foram apenas marcos de sua obsessão pelo poder. Como não havia, então, outro meio de conquistá-lo, a não ser por nomeação ou cooptação de convencionais do partido governante, foi exatamente o que Maluf fez, com êxito no primeiro caso, mas não no segundo.
O fato inescapável é que Paulo Salim Maluf serviu-se da ditadura para se tornar conhecido, bajulou até o limite os poderosos de turno (quem duvida, que consulte os jornais da época) e silenciou, para dizer o mínimo, sobre todas as violações aos direitos humanos praticadas no período autoritário.
O pior é que Maluf nem sequer precisa fingir que foi um paladino da luta pelas liberdades públicas. O fato de ter sido eleito deputado federal e, depois, prefeito representa, de algum modo, uma anistia a seu passado de vínculo entranhado com o autoritarismo, pelo menos aos olhos da fatia da população que nele votou.
Fosse tão apegado à democracia como agora proclama, seria mais honesto, de parte de Maluf, afirmar simplesmente: participei, sim, do regime autoritário, dele me beneficiei, sim, mas me arrependo. Descobri agora as virtudes da democracia.
Há certas coisas que dizem mais sobre o caráter dos homens públicos do que suas obras físicas. Uma delas é a tentativa de reescrever a própria biografia, tratando de apagar as digitais que deixou ao longo do tempo.

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