São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 1996
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Porque é difícil desonerar as exportações

MAILSON DA NÓBREGA

O governo federal anunciou um acordo com os Estados para que eles apóiem o projeto de lei complementar do então deputado Antonio Kandir prevendo a eliminação do ICMS nas exportações. Logo em seguida, Estados da região Sul negaram o acordo.
A grande dificuldade nessa matéria é a ausência de uma cultura favorável às exportações e a fraca percepção da sua importância para o desenvolvimento do país.
Por isso, o Brasil é caso raro de cobrança de impostos indiretos nas exportações. Muitos congressistas, tributaristas e secretários da Fazenda a defendem enfaticamente.
Pela lógica do comércio entre as nações, todos os bens -nacionais ou estrangeiros- devem ser tributados no local de consumo. Se pagarem impostos na exportação, haverá dupla incidência e, portanto, perda de competitividade.
O princípio da não-tributação das exportações vem desse raciocínio simples. Uma sapataria em Nova York que venda calçados americanos, brasileiros e italianos lançará o imposto de consumo na compra de qualquer um deles. Não pode discriminar pela origem.
Se for preciso onerar diferencialmente o sapato importado, usa-se a tarifa aduaneira. Essa regra vale também no Brasil. Um tênis importado paga a tarifa aduaneira mais o ICMS, este à mesma alíquota do produto nacional.
No caso do sapato, classificado na categoria de produto manufaturado, o Brasil segue o princípio universal da não-tributação das exportações. Mas isso não beneficia o consumidor americano, como se diz por aqui.
Se o calçado pagasse ICMS na exportação, o Brasil perderia mercado para seus concorrentes mundiais. Deixaria de exportar e, assim, de gerar emprego e renda.
A venda externa desse e de outros produtos é, todavia, onerada pela Cofins, pelo PIS-Pasep e em breve pela CPMF. Alguma competitividade se perde por aí.
O tratamento racional dado ao calçado no ICMS não se estende à exportação de produtos semi-elaborados como café solúvel, açúcar cristal, siderúrgicos e outros.
Esse é um absurdo da Constituição de 1988, nascido do poderoso lobby dos Estados. O outro foi a União ter sido obrigada a destinar 10% da arrecadação do IPI para indenizar os Estados pela desoneração das exportações de produtos industrializados.
Tudo isso resultou de duas idéias equivocadas: 1) a exportação interessaria apenas à União, como se esta fosse um território à parte; 2) a desoneração das exportações constituiria perda a ser indenizada pelo governo federal.
Nos quase dez anos de vivência no Confaz, ouvi muito isso. Certa vez, o secretário da Fazenda do Pará me disse ser contra incentivos a indústrias exportadoras.
Para ele, o Estado deveria atrair apenas aquelas que vendessem no mercado interno.
Essa visão míope tem origem na falsa premissa de que o benefício de uma indústria deve ser medido por sua contribuição direta de ICMS, sem considerar a arrecadação derivada dos seus efeitos indiretos (para a frente e para atrás).
Se a Bélgica, que exporta 60% do PIB, seguisse o raciocínio do secretário paraense, seria um país pobre. Sem capacidade de competir, suas indústrias definhariam, inibindo ainda outras atividades no mercado interno.
Um complicador adicional no Brasil é o péssimo exemplo do governo federal, que cobra impostos em cascata sobre as exportações, mantém portos ineficientes e aumenta os juros com a tributação do mercado financeiro.
Os impostos em cascata e a cunha fiscal no mercado financeiro são outra armadilha da Constituição de 1988, que aumentou benefícios sociais meritórios, mas financiáveis de forma socialmente desastrosa. A mudança aqui será ainda mais difícil.
O que também complica é o fato de o ICMS pertencer aos Estados (caso único no mundo) e não ao governo central, e de sua cobrança ser feita na origem e não no destino.
Créditos acumulados em um Estado podem ter de ser devolvidos em outro. Essa é a base para o argumento das perdas na exportação.
Um acordo que levasse à aprovação do projeto Kandir, ainda que mais caro do que a União imaginava, seria um grande passo. Incluiria a agricultura e ajudaria a perceber que desonerar exportações não é incentivo fiscal, mas um ato de sensatez.

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