São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996
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"Grampo" legal

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O Brasil entrou na era da interceptação telefônica legal (o chamado "grampo"), o que pode ter passado despercebido do leitor. Daí a conveniência de tratar do assunto. O inciso 12 do artigo 5º da Constituição deu a abertura para a lei ordinária, ao garantir o sigilo das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, salvo por ordem judicial, mas apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não sendo admitida no processo civil de qualquer natureza.
Vindo para regulamentar o texto constitucional, a lei nº 9.296/96 exige autorização do juiz competente para a ação principal, sob segredo de Justiça para a interceptação. Estendeu seus efeitos, no artigo 1º, ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Sendo o sigilo um dos direitos invioláveis das pessoas, o artigo 2º sugere que o legislador mostrou algum cuidado redacional. Proibiu a interceptação se existirem indícios razoáveis de autoria ou de participação no crime. Todavia, o conteúdo subjetivo dessa norma prenuncia abusos, por serem obscuros os limites da razoabilidade ou da falta dela.
Dois incisos do artigo 2º se ressentem da mesma subjetividade, pois sua aplicação exige que a prova não possa ser feita por outro modo. Só um dos três incisos desse dispositivo contém critério objetivo: a ação interceptora é vedada se o fato investigado constituir infração penal punida com detenção, ou seja, pena de menor gravidade.
Ao requerer a ordem judicial, a autoridade deve caracterizá-la suficientemente, para deixar certo que o tipo criminal de conduta pode resultar em reclusão, o que também se explicará por meio da indicação e da qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Embora a lei tenha sido escrita de modo a facilitar a interceptação, o pedido deve demonstrar que ela é necessária para a apuração do delito. Exemplo perigoso de facilitação está no parágrafo 1º do artigo 4º, que permite até o pedido verbal.
Nesse caso a concessão é reduzida a termo, mas o juiz pode dá-la de imediato. A decisão é sempre fundamentada, sob pena de nulidade, indicando a forma e prazo (15 dias e mais 15 improrrogáveis) da diligência.
A autoridade policial deve cientificar o Ministério Público, que poderá acompanhar a operação, conforme está no artigo 6º da lei. Concluída, a autoridade encaminhará o resultado ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, com o resumo do acontecido.
A garantia mais séria do direito individual encontra-se no artigo 10º da lei, mas parece insuficiente. Compreende-se que, na vida moderna, sobretudo nas grandes cidades, é necessário aprimorar os mecanismos de combate à criminalidade crescente.
Todavia, a história demonstra que o excesso de poder policial e mesmo do juiz e do promotor -sobretudo na heterogênea capacidade técnica, de formação cultural e ética dos servidores públicos no Brasil- corresponde a um perigo para a sociedade, até mais grave que os benefícios eventualmente apresentados.
O artigo 10º considera crime punível com reclusão, de dois a quatro anos, e multa, a interceptação ou a quebra de segredo de Justiça sem permissão judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Não é muito, mas vale alguma coisa. O tempo melhor dirá dessa nova restrição aos direitos individuais. Por ora fica apenas a preocupação com os abusos.

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