São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996
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Tristeza é motor de Lévy

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DE PARIS

Justine Lévy não é igual às parisienses de sua idade. Aos 19 anos ela publicou o romance, "O Encontro", que vendeu mais de 70 mil cópias na França, foi lançado em 12 países e agora está sendo publicado no Brasil pela editora Record.
Hoje, aos 21 anos, ela trabalha em uma editora, selecionando os livros que devem ser publicados.
Mas sabe que não ficará muito tempo fazendo isso. "Vou ficar até começar a me chatear. Não há nada pior do que o tédio", diz.
Sentada no Café de Flore -onde filósofos como Jean-Paul Sartre costumavam bater ponto-, ela inicia a conversa com uma frase surpreendente para quem escreveu um romance autobiográfico. "Eu não gosto muito de falar de mim."
"O Encontro" conta a história de uma garota que aguarda a mãe sentada em um café. Enquanto espera a mãe -que falta ao encontro-, ela começa a escrever sobre o relacionamento mãe-filha.
É um relacionamento difícil. A mãe é uma ex-modelo da geração maio de 68 que abandona a família, se apega a drogas, tem diversos amantes de ambos os sexos.
Em determinada passagem, por exemplo, a menina encontra a mãe desacordada por causa de uma dose excessiva de drogas.
A imprensa francesa contentou-se em brincar de tentar saber o que era verdade e o que era imaginação na história. Provavelmente teria sido diferente se ela não fosse filha do filósofo Bernard-Henry Lévy -um dos intelectuais mais mediatizados da França.
Como as perguntas das diversas entrevistas se repetiam, Justine resolveu mudar as respostas. "Comecei a inventar", ri.
"Mas em certos momentos tenho dificuldade em saber se o que escrevi aconteceu ou foi imaginado. A única pessoa que sabe o que é verdade é a minha mãe."
Justine sorri e diz piscando. "Talvez tenha mentido para todo mundo e eles pensem que seja verdade algo que inventei. Isso é que é maravilhoso na literatura. A gente é Deus. Constrói o que quiser."
No Brasil, ela sabe que os leitores terão um olhar diferente. "Na França as pessoas se sentiam próximas do meu romance. Ele é muito parisiense", avalia.
Charmosa, bonita, simpática e expansiva, Justine parece lidar relativamente bem com os traumas de infância.
Exceto pelo vício do fumo -fuma cinco maços por dia. A cada cigarro, ela enfia a mão dentro da bolsa e espalha um pouco de perfume entre os dedos. "Detesto o cheiro de cigarro", sorri.
Confidencia que fuma há quatro anos e que o pai não sabe. Ela esconde o fato com medo de decepcioná-lo. "É uma relação edipiana mal resolvida", confessa.
Seu livro foi feito para agradar ao pai e serve também como uma declaração de amor à mãe. E trata dos problemas de relacionamento entre os filhos da geração de 68 e seus pais.
"Eles tiveram seus sonhos e suas desilusões. Hoje não restou nenhum sonho para nossa geração. Só a realidade", diz ela, que condena muitos valores associados à geração dos seus pais, mas prefere conviver com pessoas mais velhas.
"Eles ensinam coisas e são mais indulgentes", diz com certa ironia.
Hoje ela pensa em escrever outro romance. Mas tem um problema. Se sente feliz. "Só consigo escrever quando estou triste ou quando há algum sofrimento."

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