São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996 |
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Cecília enamora a lenda
TOM ZÉ
Nas personagens femininas da tradição judaico-cristã, entretanto, não é comum esse tipo de aproximação de Deus. Nesse contexto, a prostituição tem o caráter de uma solução "in extremis" e, além de dissimulada na prática, é apresentada como ato heróico que salvará um povo do perigo do extermínio. Essa tradição prefere os amores espirituais e como tais tratados: Santa Clara e São Francisco, Santa Tereza d'Avila e São João da Cruz. O tipo de disposição com que Cecília Meireles -olhos de gema e água, que fundo viam- nos sugere em "Oratório de Santa Maria Egipcíaca" a lúdica e hedonista entrega praticada pela Egipcíaca reporta a Victor Hugo. Este afirma que, em seus sonhos, uma prostituta imagina-se senhora virtuosa e casta. E vice-versa. Na versão delicada da poetisa carioca, Maria do Egito oferece o corpo como quem dá poesia. Poesia de uma carne generosa, que inerente e fina sensualidade, um poema-corpo de "almíscar, benjoim, ervas e flor em fina brasa" que diz: "... não há fogo no sol ardente/ que se compare à labareda minha." Maria pousa nos homens como seda e Cecília Meireles se diz enamorada da lenda. Você pode entrever como a poetisa traça um percurso que vai de um arquétipo feminino a outro. Tendo Vênus como ponto de partida e Sophia como porto, elevação-levitação. A poesia enamorada é a nobreza de ambos os marcos. No seu comentário, Cecília especula se a linguagem usada não teria sido "um pouco excessiva" e pede desculpas por não ter podido ser melhor! O leitor terá a oportunidade de responder às apreensões da autora. Quanto a mim, eu me levanto da leitura barqueiro e beato. Livro: Oratório de Santa Maria Egipcíaca Autor: Cecília Meireles Preço: R$ 9 Texto Anterior: Gastronomia é arte elevada em "O Cozinheiro Imperial" Próximo Texto: Coletânea de Lispector escorrega no didatismo Índice |
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