São Paulo, domingo, 25 de agosto de 1996
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Que tal um debate entre os publicitários?

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Devemos ao publicitário Duda Mendonça a comparação esclarecedora entre um candidato à Prefeitura e um pedaço de hambúrguer. No último domingo, em entrevista a esta Folha, o mago da mídia disse que a diferença reside no fato de que o bolo de carne prensada não tem passado nem é capaz de falar. Por isso, seria mais fácil "vendê-lo" (o verbo é dele).
Mendonça sabe do que fala. No caso de seu hambúrguer predileto, mais conhecido como Paulo Salim Maluf, todo o esforço do responsável pela imagem do produto consiste em apagar seu passado e calar coisas desagradáveis como "estupra, mas não mata". Hambúrgueres realmente são mais palatáveis.
Pois bem. Na segunda-feira, a TV Bandeirantes levou ao ar mais um encontro entre estes hambúrgueres falantes.
Cercado de expectativas e atenções por parte de jornalistas e assessores, o debate deveria, segundo o bordão mais corrente, propiciar um momento de enfrentamento real dos candidatos, que seriam obrigados a se virar ao vivo, sem o auxílio dos truques e facilidades de estúdio a que estão habituados.
Se essa era a expectativa, o que se viu foi bem diferente. O fato é que a lógica do hambúrguer, como era de se esperar, invadiu e tomou conta também desses debates pretensamente políticos. Não há, a rigor, a menor diferença retórica entre um comercial de qualquer um dos candidatos e o debate que vimos na segunda.
Chegamos a um ponto em que os candidatos parecem servir às experiências dos publicitários, e não estes aos objetivos dos candidatos. Atingimos a perfeição.
Alguém um pouco mais ousado poderia inovar e sugerir um debate entre... os publicitários. Por que não? Afinal, não são eles os novos mediadores entre os políticos e aquilo que um dia já foi chamado de opinião pública?
Neste mundo afinal colonizado geográfica e espiritualmente pela mercadoria, não são os publicitários os novos demiurgos, aqueles que têm o segredo de acesso aos corações e mentes das pessoas? Então, nada mais "democrático" do que expô-los aos eleitores, mostrar ao público as mãos que manipulam os ventríloquos que conhecemos pela TV.
Fantasia por fantasia, a dos publicitários pode ser ao menos mais divertida. Nada é mais aborrecido do que a falsa seriedade da política quando esta se vê transformada num ramo do marketing, este sim um negócio sério, ao menos para os que enchem o bolso à sua custa vendendo a ilusão da democracia.
Não é à toa que o líder das pesquisas em São Paulo diz que a cidade deve ser administrada de maneira "essencialmente técnica". Precisa dizer algo mais?
*
Quem teve o discernimento de largar o debate no meio pode ter feito uma cesta se mudou para o programa "Roda Viva", da TV Cultura, que entrevistava Oscar Schmidt.
Simplório, bonachão, desajeitado, Oscar protagonizou um dos melhores programas do ano. Chega a ser comovente a sua capacidade de desmontar, através de uma espontaneidade a toda prova, a mitificação em torno de seu nome. Mitificação, aliás, mais do que justificada, no caso dele.
Entre a alegria bruta desse genial bebê gigante e as promessas surradas dos políticos carrancudos não era difícil saber, na noite de segunda, quem era mais sério, mais autêntico, mais humano.

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