São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Monkey business

MOACYR SCLIAR

"De onde me encontro não posso ver muito bem esse casal. Há muita gente na frente, o que francamente me surpreende. Não consigo entender a curiosidade despertada por espécimes tão pouco interessantes. E de aparência tão deprimente. Ambos me parecem muito fracos, muito desajeitados. Vê-se claramente que não estão preparados para qualquer esforço físico de maior magnitude. E a sua aparência é constrangedora, para dizer o mínimo. Os pêlos estão colocados no local errado. Os da fêmea se concentram no alto da cabeça; os do macho, em menor quantidade, aparecem também na face. Mas ambos são horrivelmente glabros. O que, além de ser desagradável, suscita uma questão: como poderão resistir às baixas temperaturas? A necessidade de se aquecer talvez explique o fato de estarem constantemente em movimento. Andam de um lado para outro, mexem objetos estranhos. E sobretudo, emitem aqueles grotescos ruídos que ferem qualquer ouvido acostumado aos harmoniosos sons da natureza.
Não os vejo buscando alimentos. Deve ser uma tarefa muito difícil. Não têm força física para isso, e os dentes me parecem frágeis demais. Devem mastigar mal, digerir mal. Devem sofrer de várias doenças do aparelho digestivo. E, no entanto, são obesos, o que é francamente incompreensível.
Quanto à reprodução... É difícil imaginar como procedem a respeito, mas, sinceramente, é uma cena medonha, que eu não gostaria de assistir. Aliás, suspeito que, na hora da relação, eles se ocultem dos outros seres da espécie; o que é compreensível, pois seres tão antinaturais devem sofrer de toda a espécie de inibição.
Em suma: para o combate pela existência, do qual resulta, como todos sabemos, a sobrevivência dos mais aptos, esses seres me parecem completamente despreparados. Se saírem desse recinto onde mão providencial os colocou, estarão completamente perdidos. Tenho pena deles, mas a verdade é que a vida não foi feita para os fracos."

Isso é o que diria o macaco do zoológico dinamarquês onde foi colocado o casal de humanos. Diria, se pudesse falar. Mas macacos, como sabemos, não falam. E não protestam quando os colocam em jaulas.

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