São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Entreguismo e "globalização"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Um leitor do Paraná, Sérgio Pereira, escreve perguntando: "como poderia o Brasil participar, sem 'entreguismo', do processo da globalização. Eis aí uma questão realmente complicada.
Vamos tentar acertar os ponteiros. Primeiro, caro leitor, permita-me dizer que seria mais adequado aspear globalização do que entreguismo.
Afinal, esse último é mais real do que a primeira. Muitas vezes, o encantamento com a "globalização" não é mais do que um disfarce ou uma nova roupagem para o tradicional entreguismo brasileiro.
Tenho procurado argumentar, sem grande sucesso, que há um enorme exagero quanto ao alcance e à novidade do processo de internacionalização em curso. E que esse exagero tem o propósito (ou pelo menos o efeito) de paralisar as iniciativas nacionais e de remover resistências sociais e políticas aos interesses econômicos que operam em escala mundial.
De um ponto de vista histórico, "globalização" é uma nova palavra para um processo que remonta à expansão da civilização européia a partir do final do século 15 e que teve início, portanto, com os projetos ultramarinos de Portugal e da Espanha.
E um amigo comentou: "Se essa tal de globalização começou com Portugal, não podia dar muito certo mesmo!"
Como lembra o historiador Marc Ferro, em livro recente, o processo de unificação do mercado mundial foi lançado pela colonização, tendo resultado em ampliação das desigualdades entre os países colonizadores e os demais.
Caberia até indagar se essa chamada globalização, que tanto entusiasmo suscita em certos setores, não é essencialmente a continuação da colonização por outros meios...
Nós brasileiros continuamos bastante despreparados para toda essa discussão, que é antiga e na qual se trata basicamente de definir os termos do relacionamento entre a economia nacional e o resto do mundo.
O nosso problema é, em parte, de fundo psicológico. Por mais bem situado na vida, o brasileiro não sabe lidar com certo tipo de estrangeiro. Quando se defronta com um norte-americano ou europeu, veste logo as sandálias da humildade. Assume, em geral, posturas de uma modéstia exagerada, descabida, que resvala facilmente para a submissão.
Não pensem que estou dizendo isso com base em vagos preconceitos.
No tempo em que trabalhei com o ministro Dilson Funaro, luminosa exceção a tudo isso, presenciei cenas constrangedoras em que autoridades e funcionários brasileiros eram submetidos a verdadeiros vexames na negociação da dívida externa, muitas vezes sem esboçar reação.
"É o medo atávico dos olhos azuis", dizia um diplomata experiente que também trabalhava no Ministério da Fazenda. Funaro teve que se empenhar para restabelecer um clima de respeito nos contatos com os credores.
Mas, enfim, eis o que queria dizer: se não recuperar a auto-estima e o sentimento nacional, o brasileiro nunca conseguirá definir de forma adequada as suas relações internacionais. Continuará à mercê de tudo quanto é conversa fiada que circula pelo mundo em busca de consumidores ingênuos.
O primeiro passo, portanto, é superar o estado de prostração mental em que nos encontramos e desenvolver, sem inibições, a nossa própria concepção de nacionalismo, adequada às nossas circunstâncias.
Um nacionalismo pacífico, livre de xenofobias e aberto à cooperação com outros países. Mas, também, cético, desconfiado das modas e retóricas internacionais e avesso ao deslumbramento provinciano.
O essencial é não esquecer o que dizia de Gaulle. Certa vez, um jovem governante de um país do Oriente Médio pediu-lhe conselhos e de Gaulle disse o seguinte: "Vão lhe sugerir as mais variadas sutilezas e manobras. Não as aceite jamais. Só tenho uma sugestão a lhe fazer, mas ela conta: coloque toda a sua energia em permanecer independente."

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