São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Marlon Brando parece uma jaca maquiada

DAVID DREW ZINGG
EM NOVA YORK

Quem fala aqui é seu líder, o Homem das Viagens.
A trabalhosa labuta que empreendo em prol da Folha me obrigou a deslocar temporariamente minhas atividades até a Grande Maçã nessa mais entediante de todas as estações -o verão.
Ou, para ser mais preciso, Joãozinho, o verão ALTO.
Não vou sobrecarregar seus neurônios paulistas, provavelmente já engajados numa luta de vida ou morte contra as atrações turísticas locais tipo poluição e frio, com relatos de como estou passando meu tempo em NY nessa época tão repugnante -as férias.
Por exemplo, vou te poupar da experiência chatíssima de observar as belas habitantes femininas dessa infeliz metrópole passeando alegremente pelas ruas ladeadas de árvores da velha Greenwich Village, com seus leves vestidinhos de verão esvoaçando ao vento para deixar à mostra suas pernas tão surpreendentemente longas.
Para poupar seus esparsos poderes mentais para trabalho mais sério, tipo enfrentar rodízios de carros, tio Dave não vai se alongar em cansativas descrições sobre como vem sendo obrigado a escoltar uma série aparentemente infinita de Jennifers locais a atividades tediosas tipo shows de jazz, comédias musicais na Broadway e aqueles chatos piqueniques no parque. Esta última atividade costuma ter lugar no morrinho gramado e ensolarado ao lado do lago dos barcos no Central Park.
Por alguma escusa e indecifrável razão gringa, os piqueniques em Nova York costumam ser regados com várias garrafas de champanhe geladinha (urghh, coisa horrível!).
(Francamente, amigão, acho difícil entender esses nova-iorquinos decadentes. Parece que o calor do alto verão os deixa meio malucos. Por que não optar pelo bom e velho refrigerante, tipo um guaraná, por exemplo?)
Mas chega de falar de meus vãos prazeres aqui na Big Bagle.
Minha própria e doce natureza, aliada à estranha necessidade de trabalhar um pouquinho, justamente o suficiente para que a Folha continue me enviando meu cheque mensal, estimulou minha veia de repórter. Aqui vão alguns flashes dos fatos que são notícia no verão do centro da Gringolândia.
Alô Alô, Embratel
Quer dizer que você achou que seu serviço telefônico, aí em Sambalândia, fede como um queijo roquefort que anda mofando debaixo da sua cama há anos? Fique sabendo, amiguinho, que você ainda não cheirou nada!
A companhia telefônica local daqui se chama Nynex. É uma companhia regional que cobre a região de Nova York e da Nova Inglaterra. Recentemente, foi "desregulamentada" -processo um pouco semelhante à privatização.
A Nynex quer crescer, virar gente grande e tornar-se uma empresa tipo global, como a AT&T. E para isso, resolveu proceder de maneira que dá a impressão que seu plano foi copiado de certa companhia telefônica brasileira que você já conhece bem até demais.
Em um relatório divulgado alguns dias atrás, o governo disse que a Nynex tem "o pior serviço telefônico do país".
A Nynex anda se esforçando ao máximo para acompanhar os maus-tratos infligidos a seus usuários pela companhia telefônica de Sambalândia. Para isso, copiou invenções progressistas brasileiras tipo linhas que saem do ar por 24 horas seguidas, ou consertos que são marcados mas os funcionários responsáveis não dão as caras.
Mas o governo daqui teve uma idéia que bem que poderia ser experimentada no Brasil. Multou a Nynex em mais de US$ 4 milhões pelo seu serviço escandalosamente ruim. O dinheiro será repassado aos clientes sofredores.
Ouviu essa, Embratel?
Horror!
Na nova versão do velho clássico da ficção científica "The Island of Dr. Moreau", Marlon Brando parece uma jaca maquiada para se apresentar no teatro no japonês.
Ou este é o filme cult mais engraçado e afetado do ano, ou é o pior -ou melhor ainda, é as duas coisas.
Esse filme hilariamente horroroso é baseado no romance de H.G. Wells sobre os perigos da engenharia genética. Na realidade, é sobre os perigos de se permitir que um Marlon Brando inacreditavelmente obeso faça o que quiser com a câmera. O filme não é apenas ruim. Um conselho: não coma antes de ir assisti-lo -você pode sentir uma vontade incontrolável de vomitar. O filme é monumentalmente, espantosamente, espetacularmente podre.
Mas se por acaso seus prazeres íntimos se encaixam na linha do S/M, você não pode perder esse filme. É um prazer infinitamente mais doidão e apaixonante do que aquele que você sente quando seu garotão te chicoteia com uma cobra de borracha.
Marlon Brando saiu do sério completamente. Janet Maslin, ela própria afetada por uma leve dose de doideira veranil, escreveu que "o sr. Brando vê o filme como uma oportunidade de representar a rainha da Inglaterra, por razões que talvez só ele entenda. 'Este calor será simplesmente fatal para mim', pronuncia em tons efeminados, com um balde de gelo em cima da cabeça".
O diálogo que vai sobreviver muito tempo depois do filme virar pó é aquele dito pelo ator que faz o herói do filme. Muito apropriadamente, por sinal, ele pergunta à grande baleia branca chamada Brando: "Alguma vez já lhe ocorreu que o sr. pode ter enlouquecido completamente?"
Eis algumas das coisas espantosas que você verá se tiver coragem de assistir esta infâmia cinematográfica:
* Você vai ver um Marlon Brando monumental (literalmente) tocando uma Polonaise de Chopin ao piano, em dueto com um anão com cabeça de alfinete.
* Você vai gelar quando uma atriz que faz o papel de gatinha reconstituída derrama gelo derretido dentro de um chapéu Dr. Scuss equilibrado em cima da gigantesca cabeça de Brando.
* Vai se espantar quando a gatinha-atriz encontra lugar para se aninhar no volumoso colo de Brando.
* Vai esconder suas emoções quando um ator vestindo fantasia de animal peludo é reduzido às lágrimas ao ver Brando, envolto em vestes árabes, tocando Gershwin.
Quem quiser assistir esse filme e sobreviver fará bem em ir armado com o kit de sobrevivência básico aconselhado por tio Dave: uma mão cheia de Prozacs surrupiados de sua mãe.
Que legal! Finalmente uma viagem legal
Finalmente, Joãozinho, você vai poder "viajar" numa boa, sem complicações com a lei, e ainda mostrar a língua para a Polícia Federal.
Basta comer chocolate suficiente para que as substâncias químicas que ele contém "liguem" as substâncias canabinóides contidas em seu próprio cérebro. De repente, bingo! você se verá no maior alto astral.
Infelizmente seu cérebro não fabrica uma quantidade suficiente das mágicas substâncias canabinóides para igualar-se ao efeito de um baseado comum. Então já que a erva de verdade continua ilegal, acho que você vai ter que esperar mais um pouco, não é mesmo?
Sapato branco
Como eu já disse antes e torno a repetir, não existe sofrimento conhecido pelo homem que seja capaz de afastar tio Dave de um furo para você, caro leitor, e para a Folha.
Assim, mui relutantemente obedecendo às ordens de meu chefe desalmado aqui no jornal, já preparei o uniforme que terei que vestir para cumprir minha próxima incumbência.

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