São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Maluf, a vingança

OTAVIO FRIAS FILHO

Maluf, a vingança
Em poucos dias a atmosfera política se eletrizou, perguntas novas estão ao ar. A volta por cima de Paulo Maluf vai colocar FHC em xeque? FHC terá de sacrificar a ortodoxia da política econômica para recuperar popularidade? Mesmo que Maluf vença em São Paulo, é cedo para essas especulações, mas todo mundo se abandona com volúpia a elas.
Por quê? O ascenso do neomalufismo vem a calhar. A mídia, que precisa de dicotomias como quem precisa de oxigênio, vibra com a perspectiva de a política se dividir outra vez em campos antagônicos. A direita se anima com a aparição do "condottiere" capaz de terminar a reforma liberal sem as delongas de um presidente meio-termo.
Mesmo o que sobrou da esquerda em frangalhos preferiria um adversário categórico, em lugar do adesismo amorfo do PSDB. Já para o político profissional, o ressurgimento de uma oposição forte, tanto faz se ela é fascista ou ecológica, significa ótimo negócio: sobe o preço dos apoios vendidos ao governo. Todo mundo ganha.
Cumpre-se assim um destino histórico, quase profético. É da tradição dos social-democratas, tentados pela conciliação com o partido da ordem, que sua política de concessões termine por eliminar os intermediários, eles próprios, substituindo uma direita falsificada por uma de verdade. Para que FHC, se podemos ter Maluf?
Mesmo o governo, em maus lençóis caso o fantasma malufista realmente se cristalize, tem uma vantagem a extrair do novo quadro, talvez até a bandeira-unitária, tancrediana-apropriada à reeleição. Será preciso então que FHC arrisque um "esqueçam o que eu fiz", requentando seu "passado de lutas".
Durante anos as pessoas vêm sendo instadas ao lucro, à vantagem competitiva, à ambição mais desenfreada, ao culto da eficiência, a abraçar toda uma concepção mercadológica da vida, porque essa é a atitude "moderna" que devemos adotar. Qual a surpresa quando o eleitorado passa a ver em Maluf o seu profeta, em Pitta um novo iogurte?
A inclinação espontânea do eleitor é regressiva, emocional, o que ele ama é a autoridade. Maluf sempre explorou o primitivo no sentimento popular, mas nos anos 70 e 80 havia uma opinião pública crítica que o expôs à execração, que disse não. Tudo isso visou lenda, ainda mais que agora Maluf é politicamente correto.
Como uma gangue de arruaceiros subitamente convertidos à jardinagem, os malufistas devem gargalhar enquanto se congratulam, no "happy-hour", pela facilidade em iludir o eleitor, esse eterno romântico que elegeu Collor. A única evolução alcançável em política é torná-la, a cada avanço, um pouco mais falsa, um grau mais hipócrita.
Antitabagista convicto, marido e pai exemplar, o candidato negro parece um jogador de basquete americano. Sua política é privatista, seu credo é realizar, ele traduz uma fantasia da fantasia, a americanização cabal da política entre nós. Somos todos responsáveis por brincar de Nova York no meio de tanta África.

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