São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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Daniella não morreu

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Com alguns anos na profissão, adquiri progressivo tédio com os assuntos policiais, desde a reportagem aos filmes e novelas afins. Daí que não comentei, até aqui, o caso de Daniella Perez, cujo julgamento foi mais uma vez adiado.
Creio cada vez menos na possibilidade de reparação judicial em crimes de morte. Bem ou mal, os demais crimes podem ser punidos e reparados. Se eu roubar a galinha do vizinho, posso ser obrigado a devolver a galinha ou a arranjar outra para colocar em seu galinheiro. Agora, se eu matar alguém, a vítima continuará morta faça eu o que fizer, seja ou não condenado.
A prática social criou mil atalhos judiciais. Para não ficarmos no Brasil -onde a impunidade é a regra não apenas para os crimes de morte, mas para os crimes contra o erário- temos o caso Simpson nos Estados Unidos.
Foram duas vítimas assassinadas: continuam mortas apesar de a Justiça e a mídia americanas terem feito o que delas mais ou menos se esperava.
Absolvendo Simpson, as vítimas não ressuscitaram. Continuam mortas e sepultadas. Bolas: quem as matou? Eu? O Dalai Lama? Madre Teresa de Calcutá? Tenho bons motivos para me considerar inocente, ao menos desse duplo homicídio.
Se não foi Simpson, não fui eu, nem o Dalai Lama, nem Madre Teresa de Calcutá, devemos concluir que as duas vítimas não foram mortas, não houve crime algum.
Com Daniella Perez corre-se o risco de chegarmos ao mesmo resultado. No cipoal de leis, prazos, revisões, regulamentos, códigos, laudos, adiamentos, juntadas, recursos e o escambau, ninguém provará que os assassinos foram o rapaz e sua mulher, da mesma forma como não fui eu nem o Dalai Lama. Se não houve assassino, não houve assassinato. Nem houve vítima.
Ninguém conseguiu provar até agora que Daniella tenha tido morte natural. Nem que tenha morrido em acidente de trânsito ou de bala perdida. Logo, ela continua viva.

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