São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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A crise urbana

ROBERTO MAGALHÃES

Chegamos ao final do milênio com uma grave crise urbana, decorrente de modelos anacrônicos de ocupação do espaço, em que a acumulação de riquezas, sem a justa repartição dos benefícios sociais, tem-se exacerbado, principalmente nas grandes cidades.
Este século está definitivamente marcado pelo fenômeno da urbanização acelerada, em que a concentração desmedida vem se contrapondo à razão própria de ser da cidade: um lugar para o homem viver bem, no dizer de Aristóteles.
O que se percebe, tratando de analisar a realidade brasileira, é o agravamento, nos últimos 50 anos, de um processo de crescimento/inchação potencializado pelo sedutor papel das cidades sobre os indivíduos, como registram as taxas de urbanização: há 50 anos, a taxa de urbanização brasileira era de 26%; em 1980, era de 68%, atingindo, nos anos 90, o patamar de 75%.
Na última década, o número de habitantes nas nossas cidades cresceu mais de 40%, enquanto a variação de crescimento total da população foi de 27%. Destaca-se, nesse quadro, a dramática concentração de população nas regiões metropolitanas, posto que nelas já reside um terço da população brasileira.
E aí residem os complexos problemas que terão que ser enfrentados com persistência, criatividade e ousadia política. Até porque nas regiões metropolitanas estão, a um só tempo, a concentração de população e 85% da riqueza econômica do país, ao lado de profundas desigualdades e carências sociais.
Numa metrópole como o Grande Recife, estão concentrados quase 90% da arrecadação do ICMS do Estado e cerca de 75% da renda de Pernambuco.
Nesse sentido, se faz necessário rever os modelos de intervenção no espaço urbano, a forma de operar os serviços públicos e como inserir, no processo de gestão, a efetiva participação do cidadão. É urgente prover a cidade de suas necessidades básicas: o sistema de circulação, o abastecimento, a infra-estrutura de educação, saúde e emprego. É indispensável pensar na cidade para o cidadão, transformando-a em modelo de uma civilização capaz de contribuir para um futuro equilibrado e harmônico.
Para tanto, o papel a ser desempenhado pelos municípios nesse processo de revisão das cidades é fundamental, posto que ao município cabe exercer a intermediação direta entre aspirações da sociedade e capacidade de resposta do setor público.
Isso se fará com mais propriedade na medida em que uma gestão democrática se faça assentada em três princípios: parceria, solidariedade e prioridade social. Parceria entre o governo, o setor privado e as organizações populares. Solidariedade pela mobilização de todos em favor da melhoria das condições de vida de populações excluídas.
Prioridade social, compreendendo a inversão na lógica da aplicação dos recursos públicos. Isto é, atender aqueles que não têm voz nem vez, desassistidos e periféricos, que estão a requerer serviços urbanos essenciais para uma convivência digna nos centros urbanos.
Isso significa atribuir ao poder local um papel indelegável, que, em face da sua proximidade, percebe a real hierarquia das necessidades sociais e, ao mesmo tempo, está habilitado para engendrar soluções criativas, formular alternativas e construir alianças.
Essa capacidade peculiar do poder local deve orientar o processo de gestão da metrópole -ente mal definido no plano geopolítico, econômico e administrativo. Hoje, o modelo vigente é dual e ineficiente, confrontando a "cidade-metropolitana" real e os "municípios-cidades" administrativos.
Este é o desafio no plano da gestão, cujo efeito prático deságua no cotidiano do cidadão, seja pela indefinição das políticas públicas, seja pela inexistente comunhão de interesses acerca dos chamados serviços comuns metropolitanos.
Aos governos municipais compete exemplar tarefa de alteração dos rumos das cidades, em especial das "cidades-metrópoles", cujo papel de atores privilegiados impõe como regra o compartilhamento de responsabilidades, a gestão democrática e a busca permanente da redução das desigualdades sociais.

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