São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 1996
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A democracia começa em casa

ROBERTO FREIRE

As eleições municipais sempre foram muito importantes para os países democráticos e, no caso do Brasil, não poderia ser diferente. Elas se realizam em um cenário em que a cidadania deixa de ser um conceito para se transformar em prática concreta, pois é no município -ou municípios- que a pessoa vive, estuda, trabalha, cria seus filhos, constrói e vê desfeitos sonhos, realiza projetos, enfim, torna-se plena.
Após a promulgação da Constituição de 1988, as eleições municipais ganharam ainda mais prestígio, tendo em vista a conquista de uma maior autonomia dos Estados e municípios. Com maior poder para arrecadar e com novas atribuições constitucionais, os municípios consolidaram a sua posição no contexto federativo, deixando de ser apenas o coadjuvante menor, papel a eles reservado nos duros dias da ditadura militar.
Além desses aspectos, outro fator reforça a importância das eleições municipais: o chamado poder local. Tal conceito, antes inexistente ou então subordinado à lógica da administração centralizada ou das transformações vindas de cima para baixo, é parte integrante dos novos paradigmas políticos que varrem o mundo inteiro.
O município deixou de ser um agente passivo das mudanças. Ou seja, mesmo no contexto de uma política nacional conservadora e retrógrada, no município é possível operar transformações sociais, econômicas e democráticas de grande interesse da coletividade.
O fenômeno da globalização, processo complexo e que torna tênues riscos geográficos representados pelas fronteiras nacionais, nas suas contradições e paradoxos, atua fundamentalmente sobre os municípios.
Estes, mesmo não deixando de ser solidários ao seu Estado e à União, conquistaram liberdade para se relacionar horizontalmente -no interior de um mesmo Estado; no interior da Federação, com outros Estados ou municípios; no contexto internacional, com organismos multilaterais, países, Estados ou municípios. Portanto as opções administrativas e políticas dos municípios aumentaram e muito.
Para se converter em eficiente prefeito, o candidato precisa ter dimensão de todas essas possibilidades que estão abertas à nossa frente. Caso contrário, sempre será omisso, perderá oportunidades que se converterão em prejuízos à comunidade e acabará fazendo o jogo medíocre da subordinação a grupos de interesses cristalizados. No caso específico de Recife, realimentando carcomidas oligarquias, as quais nada mais fazem senão usar o patrimônio público para reproduzir sua dominação.
O prefeito da virada do século, particularmente nas grandes capitais ou cidades, também precisa compreender outra realidade: a das regiões metropolitanas. Em vários casos -como Recife-, já é impossível administrar se não houver parceria real entre todos os municípios que compõem um amplo e complexo espaço geográfico e urbano.
Aos poucos, em virtude da conurbação, emerge o cidadão metropolitano. O prefeito Jarbas Vasconcelos e seu antecessor, por exemplo, não perceberam o fenômeno, e Recife, hoje, paga alto preço por esta miopia política.
Agora, para ser um bom prefeito, de nada basta compreender a marcha da modernidade. É necessário, antes de tudo, estar comprometido com os interesses da comunidade por justiça e acreditar que política e gestão públicas devem obedecer princípios da ética e da probidade. Sem tais ingredientes, a política municipal torna-se farsa e em nada contribuirá para trilhar novos caminhos de progresso.

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