São Paulo, sexta-feira, 30 de agosto de 1996
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Bertolucci fala de seu retorno à Itália

MARIE COLMANT
DO "LIBÉRATION"

"Beleza Roubada" não é, certamente, o mais belo filme de Bernardo Bertolucci. Mas é um dos mais pessoais e afetivos realizados depois de um longo tempo.
"Beleza Roubada" é o filme do retorno à Itália após a chamada "trilogia oriental": "O Último Imperador", "O Céu que Nos Protege" e "O Pequeno Buda". Um filme que pode ser resumido a uma situação: o olhar lançado sobre uma jovem e sua juventude.
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Pergunta - Você não achou arriscado escolher Liv Tyler, uma jovem atriz desconhecida, para "Beleza Roubada"?
Bernardo Bertolucci - Liv Tyler foi a primeira jovem que encontrei em Nova York e imediatamente pensei que era Lucy, a personagem da minha história.
Em 15 minutos ela muda de idade três ou quatro vezes. Ela tem 17 anos, depois 28 e depois 14. Ela ainda não decidiu qual a sua idade. Ela procura.
Penso nos personagens do escritor Henry James. Em seus olhos, em seus corpos.
Eu pretendia um elemento que sempre me tocou na literatura americana: a força física dos pioneiros presente nas mulheres que partiam para Europa para descobrir a fragilidade em face à cultura européia.
Eu tive o risco, mas também o privilégio de trabalhar com alguém que não foi ainda manipulado pelo cinema.
Pergunta - E o que você descobriu nela?
Bertolucci - Você me pergunta: "Madame Bovary sou eu?" Sim, de uma certa maneira, sou eu. É muito importante descobrir momentos de identificação. Como Lucy eu escrevi poemas quando era adolescente. É uma coisa que vem de meu pai, um poeta italiano muito célebre. Quando tinha dez anos meu pai estava em um colégio em Parma e escreveu seus primeiros poemas.
Pergunta - Você se sentiu aliviado com o resultado das últimas eleições na Itália?
Bertolucci - Sim, fiquei muito contente porque conseguimos deter o que havia de pior. Eu tenho horror da Itália dos anos 80, a corrupção que permeava toda a realidade e que se aliava a um certo cinismo. Eu parti então em direção à China, para ver as muralhas.
Para mim, os moradores da cidade de "Beleza Roubada" ergueram uma verdadeira muralha da China para se proteger da vulgaridade que inundava a Itália. Lucy penetra nesse lugar como uma espécie de bolha dos anos 70.
Pergunta - Em "Beleza Roubada" você tem um certo prazer em mostrar todas as riquezas da Toscana.
Bertolucci - Os tesouros culturais são muito importantes, por que não mostrá-los? É uma maneira de se defender contra a vulgaridade que nos ataca.
Pergunta - É uma arte contra a televisão?
Bertolucci - Fellini dizia que a televisão era como a chuva e o vento, algo que não se pode parar. Para mim há duas coisas: o privilégio de acesso à cultura, como em algumas coisas feitas na TV da Inglaterra, e também algo que me entristece: ver os filmes na TV. A liturgia está perdida. Não estamos mais juntos na escuridão.

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