São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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'Vai dar para sair, comer pizza'

CRISTINA ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Soube há nove anos. A psicóloga que me deu o resultado teve tato, não me assustei. Mesmo porque o meu marido, que me transmitiu o vírus, estava muito mal. Precisava cuidar dele.
Existia preconceito tão grande em relação ao portador de HIV que às vezes eu tinha medo de pensar e alguém ler meu pensamento. Ele morreu há seis anos. Há dois eu adoeci.
Em agosto de 95, peguei uma pneumonia que não regredia. Em fevereiro, tive que me internar. Estava acamada, muito desanimada. Não conseguia nem ir ao banheiro sozinha.
Com 15 dias de coquetel, já não ficava mais na cama, comecei a fazer mil planos. Reassumi a conta bancária. Pensava já vai dar para sair, comer pizza...
Tenho um apartamento no Guarujá, que ainda está no nome do antigo proprietário. Desisti de transferir. Agora, vou atrás de novo. Estou com pressa, perdi tempo na cama. É uma aflição, você quer precipitar o tempo para dar tempo de fazer tudo o que tem de fazer.
Tinha muita preocupação sobre quem iria se encarregar de acabar de educar meu filho. Está na 8ª série, vai ter formatura no fim do ano e eu vou. Fazer isso, há um tempo, para mim? Jamais? Eu queria, mas não acreditava nessa hipótese.
O drama foi com meu marido, a quem esse meu filho, mesmo sendo de outra relação, era muito ligado. Eles conversaram, o garoto foi informado de que meu marido tinha contraído o vírus por uma curiosidade com drogas.
Como esse pessoal para quem vendo bilhetes de loteria, eu também acreditava que podia tirar a sorte grande. Tinha a ambição de um dia poder rir de tudo isso, falar "não, tá vendo, foi só um susto".
Não há milagre: agora mesmo estive internada, de novo por 12 dias, com uma bactéria prima-irmã da pneumonia. O coquetel não é a cura, mas pelo menos há um tratamento que prolonga a vida.

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