São Paulo, terça-feira, 3 de setembro de 1996
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Loach convence com utopia sandinista

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

A radical defesa do cinema de entretenimento pelo presidente do júri, Roman Polanski, deve ser o último obstáculo a ser superado por "Carla's Song" para valer ao britânico Ken Loach o Leão de Ouro da 53ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza.
Seria o terceiro triunfo inglês do ano, com as vitórias em Berlim de "Razão e Sensibilidade", de Ang Lee, e em Cannes de "Segredos e Mentiras", de Mike Leigh.
Nada mais justo. Veneza 96 confirma a atual supremacia internacional da desamparada produção britânica. O grande filme da competição até aqui, "Michael Collins", de Neil Jordan, apesar de produzido pela Warner americana, não poderia ser mais visceralmente inglês, tratando da questão irlandesa. Radicalmente internacionalista é "Carla's Song", um painel mais singelo da guerra civil nicaraguense dos anos 80.
"Carla's Song" é antes de tudo um filme engajado: denuncia a cruel intervenção americana, através do apoio aos rebeldes anti-sandinistas (os "contras"), na desestabilização do regime socialista (1979-90) que sucedeu a despótica dinastia Somoza (1936-79).
A duplicidade revela-se na estrutura do filme. A primeira metade se passa em Glasgow, Escócia, em 87, quando o simpático motorista de ônibus George (Robert Carlyle, de "Trainspotting") se envolve com Carla (Oyanka Cabezas), uma refugiada nicaraguense que sobrevive dançando nas ruas.
Na segunda, em 88, George e Carla vão a Nicarágua já no fim do conflito, em busca de Antonio, militante sandinista e ex-"companheiro" de Carla. Repousa na violenta circunstância da separação o grande mistério da trama.
Mais uma vez, a fluência da encenação e o humanismo do enfoque são o ponto alto de um filme de Loach. Mas "Carla's Song" tropeça no maniqueísmo, como se fosse necessário simplificar a história para responsabilizar a CIA por parte das atrocidades do conflito.
Nesse ponto, estamos a anos-luz da complexa visão das esquerdas cindidas de "Terra e Liberdade" ou, para voltar a Veneza 96, da matizada reconstituição da história irlandesa de "Michael Collins".
Documentário
Não poderia ser mais didático "Ken Loach in Nicarágua", documentário em vídeo de Marlisa Trombetta sobre as filmagens de "Carla's Song". Revela muito sobre o método de trabalho do cineasta britânico.
Pena que isso se dê não tanto pelo que se vê de Loach em ação ou por seu próprio depoimento, mas principalmente pelas entrevistas de colaboradores tradicionais.
Aprende-se, sobretudo, que Loach dirige seus atores revelando cena a cena a evolução da trama.
Segundo Loach, o principal objetivo de seu novo filme é "recuperar o sentido do internacionalismo". "Espero que percebam o muito que temos em comum com a Nicarágua", afirma.

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