São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996 |
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Decisão judicial questiona punição ao usuário de droga
EUNICE NUNES
Em setembro de 95, o soldado Irlândio Corrêa foi preso em flagrante ao chegar ao quartel. Na revista de rotina foram encontrados em sua carteira 0,6 g de cocaína. Processado criminalmente perante a Justiça Militar do Rio de Janeiro, foi absolvido no mês passado. A decisão -que pode ser reformada pelo Superior Tribunal Militar- é inusitada no âmbito da Justiça Militar (veja quadro). Para os julgadores, o soldado deve ser punido disciplinarmente, até com a expulsão das Forças Armadas, mas não criminalmente. O Código Penal Militar inclui a questão das drogas no capítulo dedicado aos crimes contra a saúde, subdivisão do título relativo aos crimes contra a incolumidade pública. Isso significa que o código, ao proibir os entorpecentes, visou proteger a saúde pública. Autolesão "A simples posse da droga, para consumo próprio, não afeta terceiros. A lei poderia até punir o efetivo consumo em determinadas circunstâncias, por exemplo, um médico em serviço. Do jeito que está, é inaplicável, porque contraria princípios constitucionais", diz a juíza militar Maria Lúcia Karam. Karam, cujo voto foi adotado no caso do soldado, afirma que a posse da cocaína para uso próprio representa um perigo de autolesão, e não de dano social. Desse modo, a destinação pessoal da droga tipifica uma conduta privada, que não pode ser objeto de criminalização. "Essa criminalização constitui inautorizada intervenção do Estado sobre a liberdade individual, a intimidade e a vida privada. Da mesma forma que não se pune tentativa de suicídio ou autolesão, muito menos se poderia punir conduta que envolve simples perigo de autolesão", diz a sentença. Como o álcool A juíza compara o uso de drogas à embriaguez. O Código Penal Militar diz que é crime embriagar-se quando em serviço ou apresentar-se embriagado para prestá-lo. Para ela, a lei deveria tratar o consumo de drogas da mesma forma que trata o do álcool, ou seja, criminalizando o uso em serviço. "Concordo com a argumentação adotada na sentença da Justiça Militar. Portar drogas para uso próprio é uma conduta individual que não prejudica terceiros. O usuário não pode ser tratado como criminoso", afirma Alberto Zacharias Toron, presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes de São Paulo (Conen/SP). Sua opinião é partilhada por Maurides de Melo Ribeiro, advogado criminalista. "Só o tráfico de drogas deve ser criminalizado". Ambos defendem mudanças na Lei de Entorpecentes (Lei 6.368), que faz 20 anos em outubro. A lei pune o tráfico de drogas e o consumo pessoal. O assunto será discutido no seminário internacional "Drogas - Debate Multidisciplinar", que será realizado em São Paulo de 11 a 13 de setembro. Texto Anterior: Namorados tentam golpe de R$ 84.600 Próximo Texto: Tribunal civil rejeita argumento Índice |
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