São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996
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Ação empresarial contra a corrupção

EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO

Fraudes e corrupção nos fornecimentos ao Estado não são uma novidade. O combate à corrupção, no entanto, vem crescendo. É o que sinalizam as punições aplicadas ao ex-presidente da Coréia Chun Doo Hwan (condenado à morte) e ao seu sucessor, Roh Tae-woo (condenado à prisão).
O combate à corrupção vem aumentando não só por ser um imperativo ético. É que a corrupção desvia os recursos públicos para fins privados, impede o funcionamento da economia de mercado e inviabiliza o combate à miséria.
Constatei esse crescimento ao participar recentemente de um seminário internacional de combate à corrupção, realizado em Lima, Peru, pela Fundação Konrad Adenauer e pela Transparência Internacional.
Fui convidado como um dos três representantes do Brasil, devido ao trabalho desenvolvido pelo SindusCon-SP em favor da promulgação, implementação e defesa da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), que contribuiu para diminuir consideravelmente a ocorrência de corrupção nesse setor.
Em Lima, analisei a necessidade do combate à corrupção sob a ótica empresarial. O empresário toma decisões olhando o retorno financeiro. Assim, se quisermos banir a corrupção, é preciso fazer dela um investimento sem retorno.
Em outras palavras: estabelecer regras para as licitações públicas de modo que qualquer tentativa de corrupção não influencie o resultado delas.
Para tanto, basta cercear ao máximo o subjetivismo dos administradores públicos nas licitações. Assim, não adiantará corromper um funcionário do Estado, pois este terá perdido o poder de dirigir uma licitação em favor desta ou daquela empresa.
Isso se consegue com uma lei que submeta esses administradores a regras rígidas. A lei deve proibi-los de restringir o número dos participantes de uma licitação. Deve impedi-los de determinar o vencedor de uma concorrência por critérios subjetivos. E de pagar as faturas só a quem lhes der propina.
Esse é o mérito da Lei 8.666. Ela prescreve de forma simplificada como devem ser elaboradas as licitações e seus editais. Veda a exigência de atestados de experiência prévia para habilitar apenas determinadas empresas em detrimento do mercado. Obriga o administrador público a contratar o fornecedor que oferte o menor preço. Castiga duramente as empresas que não cumprirem os contratos. Pune severamente condutas irregulares de empresas e funcionários públicos. Estabelece que os pagamentos devem ser feitos rigorosamente dentro de ordem cronológica, a fim de evitar o estabelecimento de "pedágios" com fins escusos. E abre a possibilidade de recurso aos que se sentirem prejudicados por atos arbitrários da administração.
Nos casos de corrupção, mais vale prevenir que remediar. É mais factível cortar o mal pela raiz cerceando o poder discricionário dos administradores públicos do que identificar corruptores posteriormente, puni-los e condená-los a ressarcir o Estado - o que tem sido extremamente difícil de acontecer aqui.
Ao final do seminário, os participantes decidiram recomendar aos países latino-americanos e do Caribe os princípios e as práticas da lei brasileira. O SindusCon-SP ficou encarregado de escrever o capítulo sobre licitações públicas do manual anticorrupção que conterá os resultados do encontro.
Infelizmente, hoje a nota destoante parte do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. A pretexto de modernizar o Estado e tornar mais rápidas as licitações públicas, o ministério pretende devolver aos administradores públicos amplos poderes nos processos de licitação, desconsiderando que vivemos numa sociedade subdesenvolvida institucionalmente, patrimonialista, clientelista e fisiológica, em que a corrupção é estrutural e endêmica, permeando grande parte da vida pública e privada.
Se esse retrocesso ocorrer, os administradores públicos voltarão a ter poder na condução das concorrências. As portas que têm impedido a corrupção serão reabertas, com todas as consequências conhecidas da sociedade: superfaturamento, "caixinhas" eleitorais, obras paralisadas, manipulação dos orçamentos públicos e agravamento da miséria.
Que o bom senso prevaleça. Que o governo reveja sua posição ou exponha suas propostas a um amplo debate com a sociedade.

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