São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Venezuela: a outra face da moeda

ALFREDO TORO HARDY

O conhecido jornalista Luís Nassif escreveu recentemente neste jornal uma série de artigos sobre a crise bancária venezuelana. No último 2 de setembro, boa parte dessa informação foi citada num interessante programa de televisão que o mesmo jornalista apresentou na Rede Bandeirantes. Tanto o programa de televisão quanto a série de artigos resultaram objetivos e, em qualquer caso, cumpriram a sua finalidade: alertar a opinião pública brasileira sobre os erros cometidos da Venezuela nessa matéria.
Haveria, entretanto, duas questões básicas para formular sobre o particular. A primeira seria um esclarecimento com respeito à paternidade da intervenção do Banco Latino, ação que desencadeou a crise bancária na Venezuela.
O jornalista Nassif colocava a responsabilidade desse ato nas mãos do atual presidente da República, Rafael Caldera, quando em realidade essa decisão foi tomada pelo seu antecessor, o presidente Ramón J. Velázquez, o qual esteve à frente de um governo interino de amplo respaldo nacional.
O segundo dos comentários a fazer-lhe seria ele não ter apresentado a outra face da moeda. Melhor dizendo, não ter-se referido à notória recuperação que é evidente na Venezuela nos últimos tempos.
O presidente Caldera, de maneira muito parecida por certo à do presidente Getúlio Vargas, sabe manejar com grande maestria os tempos políticos. Isso tem-se evidenciado na maneira que enfrentou os distintos problemas do país. Na sua chegada ao poder encontrou os quartéis divididos, as ruas agitadas e um grande déficit fiscal. Isso somado à crise bancária, que fez sentir os seus efeitos nas semanas e meses seguintes à sua posse.
Sua prioridade inicial concentrou-se em acalmar os quartéis e as ruas, devolvendo a tranquilidade perdida no país. A ênfase posta em salvar as poupanças de 4 milhões de venezuelanos, que tinham uma vida inteira de trabalho nas mãos dos bancos com problemas, inscreveu-se dentro desta orientação.
É verdade que o resultado não foi o melhor em relação ao manejo da crise bancária, mas o seu objetivo de devolver a calma à nação sem dúvida teve um pleno êxito. Com dois anos e meio desde sua chegada, as Forças Armadas têm reencontrado seu espírito de corpo e sua solidez institucional, ao mesmo tempo que a opinião pública evidencia uma compreensão da crise que não teve no passado.
Uma vez devolvido o chão de sustentamento político, o presidente Caldera tem podido concentrar-se nos aspectos estruturais da crise econômica. Mais ainda, tem conseguido gerar um amplo consenso nacional em torno da necessidade de duras medidas de ajuste, coisa que teria sido impensável poucos anos atrás.
Quando, em abril passado, foram anunciadas as mesmas, muitos acreditaram que se produziriam grandes sobressaltos sociais. Não foi isso o que aconteceu. Pelo contrário, a maioria das pesquisas de opinião evidenciou que existe uma percepção generalizada que as mesmas resultam inevitáveis.
A execução desse programa de ajuste estrutural devolveu a confiança na Venezuela. Basta dar uma olhada nos investimentos estrangeiros anunciados ou assinados nos últimos meses para constatar o anterior. Com efeito, poderiam citar-se alguns: a Placer Dome, empresa canadense que ocupa o quinto lugar entre os produtores mundiais de ouro, iniciará em setembro um desenvolvimento industrial no valor de US$ 600 milhões; a Coca-Cola anunciou a construção de uma superplanta para a América Latina, com um investimento superior a US$ 100 milhões; a corporação Minorcho começará brevemente a construção de uma planta redutora de níquel com um investimento de US$ 442 milhões; um consórcio de investidores da Coréia do Sul, Estados Unidos e Japão, onde sobressaem corporações como a Hyundai Metal e a US Raytheon, assinou um acordo para a construção de uma planta de briquêtes no valor de US$ 318 milhões. E assim sucessivamente.
Agora, pouco tempo antes das medidas de ajuste estrutural, se tomou outra decisão que teria sido impensável alguns anos atrás: a abertura do setor petrolífero venezuelano ao investimento privado. Contando com as maiores reservas petrolíferas do Hemisfério Ocidental e sendo, ao mesmo tempo, o único dos seis grandes exportadores de petróleo do século 21, situado fora da conflituosa região do Golfo Pérsico, a Venezuela começou a receber quantitativos investimentos.
As revistas especializadas afirmam que nos próximos seis ou sete anos o país receberá investimentos de ordem de US$ 60 bilhões nesse conceito. Só em 1995 já foram assinados contratos de investimento que superam os US$ 11 bilhões.
Definitivamente, o país começa a superar a crise. Suas reservas internacionais são hoje de US$ 12 bilhões, as maiores desde 1993. Mas, mais importante ainda, a própria crise trouxe consigo duas lições fundamentais.
Em primeiro lugar, fez com que um povo mal-acostumado por décadas inteiras de bonança petrolífera chegasse à idade adulta. O último tem-se evidenciado na aceitação dos sacrifícios como condição necessária para alcançar a estabilidade econômica.
Em segundo lugar, permitiu romper com muitos dos tabus populistas que durante um longo tempo impediram tirar pleno proveito das nossas potencialidades.
A conjunção do programa de ajuste estrutural em andamento com o processo de abertura do setor petrolífero permitirá um rápido e quantitativo fluxo de investimentos estrangeiros. Entretanto, o que é mais importante destacar é que uma liderança e uma coletividade social que conheceram os rigores da crise saberão fazer uso prudente e racional desses recursos.
Prova do que foi mencionado antes encontramos na última pesquisa de opinião realizada na Venezuela, a qual saiu ao conhecimento público no dia 1º deste mês. Um dos mais prestigiados institutos de pesquisas do país nos revela, com efeito, o seguinte: 57% da população considera que na segunda fase do seu governo o presidente Caldera poderá resolver os principais problemas do país; 67% dos venezuelanos reconhecem que ele devolveu a respeitabilidade à presidência; 51,60% dos venezuelanos coincidem com a sua política em matéria energética; e 61% estimam que as próximas eleições se efetuem com toda normalidade.
É importante que a imprensa brasileira se interesse pela Venezuela, mas não deve esquecer-se da face positiva da moeda.

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