São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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ICMS e tecnocracia

OSIRIS LOPES FILHO

O projeto de lei complementar disciplinatório do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um monumento normativo erigido pela tecnocracia, que a representa fielmente.
A arrogância, o hermetismo, o despudor, o desrespeito aos valores democráticos inscritos na Constituição, tudo isso está gravado atabalhoada e grotescamente no projeto que foi aprovado pelo Congresso Nacional.
A horda governamental no Legislativo tem apoiado todos as proposições do Executivo. Algumas negaças podem ocorrer. Mas não é uma recusa, apenas o anseio de um afago, o recebimento de um agrado, o atendimento de uma nomeação, para neutralizar a avalanche de desemprego, que vai aumentando, e precisa ser contida.
Nesse tanger, há uma família -a Carneiro- que, por adoção cooptativa, vai crescendo a índices fantásticos no seio do Congresso Nacional.
Sob o pastoreio do governo FHC, essa multidão dócil e agradecida, melhor dizendo, esse novo rebanho de membros afortunados da família Carneiro vai recebendo as benesses governamentais.
Como são bons parentes, vão retribuindo como podem, vale dizer, aprovando o que se lhes envia do Palácio do Planalto, pois a origem é generosa e promissora.
Espantosas no monumento da tecnocracia desvairada não são as inconstitucionalidades e impropriedades, pois isso é característica costumeira da produção legislativa do atual governo. O que avulta como um sinal dos novos tempos tecnocráticos é o anexo que acompanha o projeto.
O seu objetivo é consagrar o "toma lá, dá cá" que envolve a aprovação do projeto. Disciplina, portanto, como a União entregará recursos aos Estados e aos municípios, em troca da renúncia à arrecadação do ICMS incidente na exportação de produtos semi-elaborados e primários. Até aí não há novidade. Feita a negociação, haveria de ocorrer o pagamento do preço, embora vil, da abdicação do irrenunciável.
Mas o que causa admiração é a forma, perdão, as fórmulas matemáticas que contém o projeto, indicando rigor cartesiano no distribuir quantias, e fidelidade à ascendência lusa de registrar cartorialmente, como bom escriturário, as migalhas repartidas.
É um documento que no próximo milênio que se avizinha, seguramente, será anexado, por seu volume, semelhança e conteúdo, por algum antropólogo cultural, à coleção dos papéis do Brasil colonial.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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