São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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As redes convivem com muralhas

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O que há de comum entre Amway, Avon, AT&T e Fujitsu?
A Amway comercializa de sabonetes a panelas, a Avon explora o mercado de cosméticos, AT&T e Fujitsu desenvolvem grandes projetos em áreas de alta tecnologia.
Aparentemente, são universos incompatíveis em termos de objetivos e público-alvo. Em comum, a importância do modelo de rede.
Trata-se nos vários casos de grandes organizações que atuam globalmente, mas ao mesmo tempo criam por meio de redes o máximo de impacto e retorno locais.
A "rede" aparece de muitas formas. Há por exemplo o "marketing de rede". O que acontece nessa rede é novo: não se trata nem do mercado tradicional, nem de uma negação completa do mercado. A novidade é que, na rede, a organização (uma fábrica de sabonetes, por exemplo) fica mais enxuta. Ela terceiriza (ou seja, transfere a terceiros) a gerência das vendas.
Isso cria novas oportunidades de trabalho (para representantes ou gerentes de grupos de representantes), sem necessariamente criar novos "trabalhadores". Afinal, o representante da rede sente-se ele próprio um empresário e, afinal, ele realmente multiplica o mercado da fábrica de sabonetes. Pode até mesmo ocorrer uma fusão do trabalhador, do empresário e do consumidor numa só pessoa.
No mercado tradicional, há um enorme espaço vazio entre a fábrica e os consumidores. Na rede, esse espaço vai sendo preenchido. A fábrica fica mais vazia, e o mercado, mais denso. Nas estatísticas, aparece a "desindustrialização" e incha a "economia de serviços".
No lugar do "Big Brother" (o Grande Irmão que controlaria toda a sociedade) há uma multiplicação de "little salespeople" (pequenos vendedores). Cada um torna-se um marketeiro em busca de fortuna, mesmo que o preço seja a mercantilização completa de todas as relações, a começar da família.
Curiosamente, é nessa época que a sociedade americana discute mais avidamente os chamados "family values" (valores familiares), porque nunca sua ausência foi tão sentida e evidenciada.
Mas não há necessariamente contradição entre valores familiares e mercantis, como revela a cultura empresarial asiática, das mais bem-sucedidas da atualidade. A rede de negócios criada sobre a matriz chinesa é a nova maçã dos olhos dos gurus da administração.
Big Brands
No lugar do "Big Brother", a rigor, têm-se as "Big Brands" (Grandes Marcas) e, no lugar da gerência totalitária de cada indivíduo, como imaginava a ficção de Orwell, no mundo pós-1984 o que há é a administração de culturas empresariais e organizacionais.
O "marketing de rede" -o médico que vende panelas no fim de semana ou a dona de casa que reúne as vizinhas para demonstrar produtos Tupperware- é um sistema que repousa sobre a hipertrofia de valores capitalistas.
Mas quem domina as Grandes Marcas? Nesse nível de realidade aparece a imagem em negativo da rede, que é a concentração recorrente de grandes fortunas por poucos oligopólios.
É aí, também, que aparecem as semelhanças entre a Tupperware e a Intel. As pesquisas mais recentes sobre os processos de inovação tecnológica mostram como, por exemplo, no setor de tecnologia da informação, alguns grandes grupos acentuaram sua situação de "centralidade". Isso no interior de uma rede de alianças que dá importância cada vez maior aos acordos voltados à comercialização.
É o que afirma François Chesnais, por muitos anos economista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que acaba de publicar em português "A Mundialização do Capital", de onde foi extraída a sugestiva mandala da ilustração.
O mesmo Chesnais, entretanto, ressalta que esses fantásticos desdobramentos do capital em redes comerciais e tecnológicas ocorrem junto com a construção de fortalezas para conter os "bárbaros" na periferia, com arames farpados em volta de guetos internos monitorados por circuitos internos de TV.
Na verdade, nesse mundo cada indivíduo está disposto a tornar-se o "Big Brother" de si mesmo.

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