São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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A ascensão de Kelly Preston ao nível 12 da Cientologia

DA "DETAILS"

Los Angeles é o quartel-general mundial da Cientologia: aqui trabalha uma equipe de cerca de 2.500 pessoas. Mais abaixo no Hollywood Boulevard fica a Exposição da Vida de L. Ron Hubbard. É um passeio de Disneylândia pela vida de Ron, apresentando filmes, cenas animadas e monstros mecânicos gigantes baseados em seus livros de ficção científica. Há pouca coisa que Hubbard não tenha feito.
Na juventude viajou para a China, supostamente com piratas. Conduziu expedições científicas ao Caribe. É um dos pioneiros do radar. Na guerra, foi herói; mutilado num mortífero ato de coragem, ele efetuou a descoberta milagrosa que constitui a base da "dianética", a maior invenção do século 20. É um ótimo fotógrafo, um grande músico, excelente aviador, escritor, datilógrafo etc. Biografias, inúmeras reportagens de jornal e até mesmo registros de tribunal sugerem que muitas das histórias sobre as conquistas do Hubbard pré-Cientologia são mentiras ou exageros. Não importa. Há pessoas que acreditam nelas.
No hall de entrada há testemunhos -sinceros, carinhosos- gravados em placas: "Todo mundo deve conhecer L. Ron Hubbard e suas obras" -Tom Cruise. E a minha favorita, por seu conteúdo irônico: "Graças à tecnologia de L. Ron Hubbard, 'subconquistas' não está no meu vocabulário" -Nancy Cartwright, a voz de Bart Simpson.
A exposição celebra até um dos fracassos pessoais de Hubbard: L. Ron queria fazer sucesso no cinema. Seu maior êxito foi em 1937, quando passou quatro meses em Hollywood escrevendo seriados para a Columbia Pictures. Mas nunca foi bem recebido. Ao contrário, teve de se contentar em fazer seus próprios filmes de treinamento da Cientologia, segurando um megafone e sentado numa cadeira com a inscrição "L. Ron Hubbard - diretor".
Mas o Projeto Celebridade teve maior impacto em Hollywood do que a visita de Hubbard em 1937. É lógico que a Cientologia prosperaria aqui: afinal, é a cidade que sonha as novas realidades. Não surpreende que seja um lugar cheio de novas religiões.
Em troca, a Cientologia oferece aos famosos uma fé que lhes convém, uma religião que prega que a ambição é louvável e que as artes populares devem ser promovidas, um lugar em que aspirantes a estrelas podem aprender uma tecnologia que supostamente lhes dará um empurrão para subir. O processo de auditoria é delicado. Jamais julga o ego frágil, agredido pela impiedosa Hollywood: simplesmente o processa. Nunca é crítico ou avaliador; apenas balança a cabeça e diz: "Obrigado".
Olhando para trás, Kelly Preston vê sangue na neve e o corte na testa. Foi sua culpa. Aos 13 anos, nunca havia subido num teleférico de esqui. Ela o soltou, fazendo o suporte de ferro balançar e atingir a cabeça do esquiador que vinha atrás.
A aceitação disfarçada dessa pequena violência conviveu durante anos com a atriz de Hollywood, assim como dezenas de outros incidentes ligeiros, perdas e infrações. As coisas insensatas que as pessoas diziam em momentos desprevenidos, desde o instante em que ela saiu do ventre de sua mãe. A morte do pai quando ela tinha só três anos, ou aos seis, quando viu o ônibus capotado no Iraque e os corpos de crianças esmagados sob ele. Mesmo assim, ela acreditava que sua infância fora maravilhosa e saudável.
Só quando conheceu os ensinamentos de L. Ron Hubbard percebeu o significado mais sombrio dessas coisas: como elas a freavam, impedindo-a de ser realmente livre, colocando obstáculos em seu caminho; assim como toda a cocaína que consumiu quando era uma jovem aspirante a atriz. A Cientologia ensinou-lhe sobre os "engrams", os nós, as correntes, os bloqueios. Hoje tudo isso lhe parece senso comum.
Agora está liberta. É uma Operadora Thetan: completou os níveis OT até o 4. Atriz de sucesso, Preston é casada com um dos maiores nomes de Hollywood, tem um filho lindo e uma ótima vida. Está conversando comigo na suíte Première, do Manor Hotel. Alegre e linda, usa botas pretas de cano alto e um minivestido preto. Ela varia entre Marlboro Lights e outra marca de cigarros, educadamente oferecendo-me antes de acender.
Conheceu a Cientologia quando estudava, junto com o primeiro marido, com o renomado professor de interpretação Milton Katselas. Ele utilizava alguns dos princípios por trás da tecnologia de Hubbard. O que mais impressionou Kelly foi a forma como ele aplicava a filosofia da auditoria: não incentivava comentários ou críticas sobre o desempenho dos outros alunos. "O importante era o fato de não haver qualquer avaliação ou invalidação por parte dos outros atores. A pessoa saía de lá com a capacidade de melhorar. Ser tímido pode ser terrível para um artista", diz ela, sorrindo.
Kelly percebeu que ali estavam as respostas que queria. Trabalhou duro na Cientologia. Completou recentemente o nível 12. "Balançou o meu mundo", sorri. Não pode me contar exatamente o que fez, porque em parte é confidencial e "a maior parte você tem de experimentar para saber do que se trata. Chamam-se Fazer, Ser e Estar", diz ela, e tenta elucidar: "O Ser de alguém... quem você é... suas vidas. É um ser tão puro quanto você poderia se tornar".
Quando terminou o curso de Ser, sua vida havia mudado completamente. Tanto que ela quase não sabia mais andar. Teve de se segurar à parede quando saiu da sala; lembrou-se, colocando um pé à frente do outro, e pensando: "Tudo bem. Ponho um pé na frente do outro. É assim que se caminha com este corpo".
"Aquilo explodiu minha mente", conta. Depois do curso de Ter, ela achou que podia ter tudo o que quisesse: casou-se com John Travolta. Tiveram um bebê. Ela conseguiu os papéis em filmes que sempre desejara. "Meu Ter ficou... hummm!" Faz a mímica de uma avião decolando.
Kelly teve seu filho, Jett, em silêncio. Hubbard achava que qualquer som ou palavra murmurada durante o trauma do nascimento poderia ser registrada como "engram". "Isso é uma das coisas mais incríveis", diz ela com um orgulho natural. "Acho que dei um presente ao meu filho."
Ontem à noite ela conversou com Quentin Tarantino sobre uma atuação especial em "Um Drinque no Inferno". Acaba de terminar sua participação num novo filme, "The Devil Inside". Kelly representa uma advogada lésbica militante. Quando ensaiava o personagem, conversou com advogadas e lésbicas, mas também utilizou o sistema hiperespecífico de Hubbard de mapeamento das emoções humanas: a Escala de Tons, que vai de menos 40,00 (Fracasso Total) a mais 40,00 (Serenidade do Ser). Ela avaliou que seu personagem estaria ao redor de 1.1 na escala: Hostilidade Disfarçada.
"Acho que há um preconceito em Hollywood: o de que quanto mais você tiver sofrido, quanto mais f... for, melhor ator será. Não é verdade. Você não precisa se atolar em problemas para ser capaz de criar." Faz uma pausa. "Quero dizer, veja o meu marido, que eu considero um ator brilhante e que fez muito pela Cientologia. Ele é extremamente feliz. Acho que fumou maconha uma vez... talvez duas na vida. Fez o papel de um viciado em heroína, e os viciados diziam: 'Puxa, cara, é assim mesmo. Foi barra-pesada'." Kelly é feliz: borbulha de contentamento e autoconfiança. "Minha vida é tão plena e rica sem minha carreira", ela conta, "que não me defino em termos profissionais. Sei que terei sucesso", diz, como se fosse fato consumado. "É apenas questão de tempo."

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