São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A rebelião do tecnopaganismo

TIM MARSH; ANDREA CANGIOLI
DA INTERNATIONAL FEATURE AGENCY

Bem-vindo ao Return to the Source (Retorno à Fonte), clube que promove eventos mensais juntando batidas tecno com rituais pagãos e tem atraído milhares de jovens devotos de todas as partes da Inglaterra.
No interior do clube, no bairro Brixton (zona sul de Londres), belas garotas fantasiadas de demônios dançam livremente, enquanto outras participam de sessões de tambor xamânico, batendo sobre qualquer superfície disponível na Sala dos Tambores (o único lugar da casa onde não há filas diante do bar), ou perambulam por um emaranhado de barracas que vendem cristais energéticos e emblemas pagãos. Mas a maioria prefere a pista de dança, onde elas se debatem como se fossem Power Rangers movidas a muita cocaína, ao som da batida tecno fustigante de bandas como Mindfield. As pessoas só param de dançar quando a casa fecha, às 6h da manhã.
Chris Dekker é promoter da Return to the Source e dirige o clube há mais de um ano. Ele conta a seus seguidores que "há muita gente lá fora que não se satisfaz com a vida e a religião modernas e quer mudar. Nossa intenção é criar um templo moderno, um espaço positivo criado com amor, onde podemos nos reunir, como uma única tribo, para mergulhar num transe profundo, como faziam nossos antepassados muitos e muitos anos atrás. Vemos a pista de dança como um lugar sagrado, de onde podemos nos conectar com nosso poder interno".
Mas o Return to the Source é apenas o mais colorido, vibrante e, graças a seu sistema de som, mais barulhento exemplo da revolução que está sacudindo a Inglaterra de volta a suas raízes pagãs. Se a epítome dos anos 80 foi o thatcherismo, a adoração do dinheiro e da riqueza material, o que se vê nos anos 90 é um crescimento inusitado do interesse pelas religiões, os rituais e os modos de vida pagãos -que não se via desde que Aleister Crowley chocou a primeira metade do século com seus escritos.
É o caso da cerimônia anual do solstício, realizada em Stonehenge, que nos últimos cinco anos é palco de conflitos violentos entre viajantes New Age e a polícia, que conseguiu restringir o acesso à área -medida esta que está sendo desafiada pelos pagãos com base na Convenção Européia dos Direitos Humanos. Como a polícia agora tem poder de barrar qualquer pessoa que ela desconfie estar se dirigindo a um festival pagão, os pagãos estão optando por locais menos conhecidos, tais como Primrose Hill, no centro de Londres, onde comemoraram o último solstício do outono.
Mais surpreendente ainda é o fato de que enquanto a maioria das indústrias britânicas teve dificuldade em superar a recessão dos anos 90 no Reino Unido pós-Margaret Thatcher, o paganismo está florescendo como indústria caseira cada vez mais forte. Na zona sul de Londres, a muito bem-sucedida House of the Goddess (Casa da Deusa), por exemplo, é um templo nacional e centro de paganismo que oferece uma linha telefônica de contatos e informações sobre paganismo, um serviço de aconselhamento com treinamento de iniciação em terapia humanista, além de tudo que você pode querer saber sobre questões tão diversas quanto casamentos, enterros, rituais de nascimento e festas de inauguração de lojas e residências.
Não há como negar que a extensão dos grupos e serviços pagãos espalhados pelo Reino Unido é espantosa. Basta passear por livrarias especializadas em paganismo como a Atlantis, em Londres, e você encontrará revistas como a "Talking Stick" e a "Pagan Dawn", repletas de tudo que você pode precisar saber sobre halloween, fantasmas e seus direitos enquanto pagão, sem falar em anúncios de cursos de drama ritual, eventos pagãos e sacerdotisas pagãs que se oferecem para "realizar todos os ritos de passagem: pactos de casamento, cerimônias de dar nome a pessoas, bênçãos e funerais". Se você procurar um pouco mais, acabará encontrando um grupo pagão de defesa dos direitos animais, um hospital e fundo funerário pagão, o Hoblink (um serviço pagão de atendimento a grupos gays), um grupo de apoio de enfermeiras pagãs, várias agências de namoro pagãs e até mesmo um grupo chamado Cristãos em Defesa dos Pagãos!
E se o "Messias" de Haendel é um pouco cristão demais para seus ouvidos calibrados e o pop mainstream não o comove, ligue-se nos Pagan Goth Rockers e no Inkubus Sukkubus, cujos espetáculos frenéticos têm audiência grande entre as fileiras dos góticos e roqueiros britânicos.
Mas talvez o indicativo mais certeiro de que o paganismo chegou (ou será que deveríamos dizer "voltou") como força a ser levada em conta é o fato de que os pagãos já têm sua própria revista em quadrinhos. Para mostrar que os pagãos, mais conhecidos por seus cânticos espirituais do que por seu senso de humor, também gostam de dar suas risadas, a "Wizards & Whips" traz artigos com títulos como "Os dragões de hoje não são como os de antes", uma novela baseada nas cartas do tarô, uma fotonovela estrelando o diabo e falsos anúncios como "Ganhe uma fortuna como conselheiro da Nova Era. Não é preciso ter experiência, bom senso ou sabedoria. Fale abobrinha e engane pessoas vulneráveis".
(Tim Marsh e Andrea Cangioli)

Tradução de Clara Allain.

Texto Anterior: O crente que se tornou destruidor
Próximo Texto: A igreja dos subGenius e o bispado virtual
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.