São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Otan teme conflito após apuração dos votos

DAVID STAMP
DA "REUTER"

Para as forças da Otan no noroeste da Bósnia, a dor de cabeça relativa à segurança não acabou com o fechamento das urnas, na noite de ontem.
Funcionários locais da aliança militar ocidental, que se encarrega de vigiar a paz na Bósnia, acham que seu maior teste não terá sido o dia da votação, mas o momento em que vencedores e perdedores forem anunciados, dentro de duas semanas.
As brigadas multinacionais comandadas pelo Canadá e responsáveis pelo bolsão de Bihac e vizinhanças, controlado pelos sérvios, planejavam um grande esquema de segurança a partir de ontem.
O primeiro objetivo era garantir que as armas das facções que estiveram em conflito permanecessem guardadas. Depois, eles se preocupariam em manter as estradas abertas, para permitir que os eleitores chegassem a seus locais de votação.
"A época de divulgação dos resultados também vai ser interessante", diz o capitão Chris Lemay, porta-voz da brigada multinacional, que também inclui tropas do Reino Unido e da República Tcheca -aspirante à Otan.
Luta interna
Bihac, que ficou sitiada pelos sérvios durante mais de três anos, tem um problema único na Bósnia. Ali, muçulmanos são jogados contra outros muçulmanos, o que deixa o clima tenso.
Fikret Abdic, um empresário muçulmano da cidade que se tornou líder guerrilheiro, rompeu com o governo muçulmano da Bósnia no encrave de Bihac e manteve acordos tanto com sérvios quanto com croatas.
Ele foi obrigado pelas forças do governo a deixar o país no ano passado e agora concorre à Presidência colegiada.
Os acordos garantiram à área de Abdic uma relativa paz e abastecimento de gêneros básicos, enquanto outros muçulmanos na cidade de Bihac, 40 km ao sul, estavam perto de morrer de fome.
Represálias
Mas essa situação também valeu a ele o ódio do governo muçulmano, que o levou a julgamento como criminoso de guerra. Muitos muçulmanos o consideram um traidor.
Na quinta-feira, a polícia local impediu a única tentativa que Fikret Abdic fez de voltar de seu exílio na Croácia para a região, para realizar um comício no seu antigo território de Velika Kladusa.
"Há um certo desconforto com os partidários de Abdic nesta região", disse Lemay, canadense do Québec. "Eles devem usar a violência quando os resultados saírem."
Lemay, instalado em quartéis rudimentares vizinhos a uma enlameada fábrica de cimento, percebe a tensão. Esse "desconforto" explodiu em violência em várias ocasiões nas últimas semanas.
No pior incidente, uma granada lançada contra a casa de um partidário de Abdic feriu seriamente uma menina. Um homem foi preso pelo ataque, mas depois foi solto sem explicação.
Oposição
Funcionários de organismos internacionais, que precisam ser imparciais, relutam em comentar o incidentes.
Mas um deles, que pediu anonimato, disse que o Partido da Ação Democrática (SDA, governo), do presidente Alija Izetbegovic, parece não conseguir tolerar nem a fraca oposição que tem hoje.
Os próprios membros do partido se preparavam na semana passada para intimidar os eleitores de ontem. "Se você não apóia o SDA, é melhor ficar longe", disse um deles. Vários eleitores temiam votar por outros partidos e sofrer retaliações.
Partidos oposicionistas, incluindo o do ex-premiê Haris Silajdizc, dizem que foram prejudicados de maneira desleal várias vezes durante a campanha em Velika Kladusa.
Em uma ocasião, um cinema reservado para uma reunião política foi misteriosamente "fechado para reforma".
Em outra cidade, um prefeito convocou a população local para uma reunião de última hora, pouco antes de a oposição realizar um encontro no mesmo local. "Ninguém foi ao comício. Nem mesmo o cão do vilarejo", disse um membro do partido.

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