São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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A enquete de Proust

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Dou de barato que Marcel Proust foi um dos gênios do século que está acabando. Apesar disso, ele cometeu suas mancadas, sendo a maior delas a enquete que bolou para tornar mais atraente a sua colaboração na imprensa. Embora tenha beliscado aqui e ali, inclusive e modestamente no caso Dreyfus, sua atividade como jornalista foi basicamente a de cronista da sociedade.
Muitas vezes, de madrugada, ele saía de seu quarto de asmático, cujas paredes eram forradas de cortiça para filtrar o ruído da rua. Metia-se em grossos capotões e lá ia ele, de redação em redação, levando a fofoca do dia (ou da noite) que julgava interessante ao conhecimento da plebe ignara de Paris. Não faz o meu gênero.
Há anos, uma revista carioca ressuscitou essa enquete e fui um dos que aceitaram responder a ela. Não a guardei entre minhas relíquias, mas lembro de algumas perguntas e das respostas que dei. Proust me perguntava: "Como gostaria de morrer?".
Minha resposta: "Não gostaria de morrer".
Outra pergunta: "O fato militar que mais admirou?"
Resposta: "A minha dispensa do serviço militar". (Lembro que um colega, ao responder a essa pergunta, como era nacionalista cheio de brios, citou a batalha de Lomas-Valentinas, da qual não tenho até hoje a menor idéia. Já o pessoal do Partidão, em peso, indicou a batalha de Stalingrado).
A última pergunta da enquete era bem digna de Proust-colunista social: "Qual a sua divisa?". Evidente que os nobres e aristocratas da época (ou de qualquer época) tinham suas divisas para gravar nos escudos, era exigência heráldica. Os bispos e os papas mantêm essa tradição.
Como não sou papa, bispo, aristocrata ou nobre, dei como divisa o testamento de Rabelais: "Não tenho nada. Devo muito. O resto deixo para os pobres".

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