São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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Com a cara de Karan

ANDREA FORNES
FOTO KLAUS MITTELDORF

"Adoro concorrência, por isso quero ir para fora competir com os melhores do mundo"
"Aconteceu tudo muito rápido, e eu não estava preparada. É frustrante"
"Até agora não fiz nada no Brasil para que as pessoas me conhecessem e conseguissem me encontrar"

Quando se casar no dia 22 de outubro, Marie Toscano entrará na igreja com um vestido de noiva que ela mesma criou. Algumas de suas madrinhas também vestirão os modelos assinados pela estilista de 27 anos. "Meu casamento vai parecer um grande desfile", diz.
Ela conheceu o noivo, Stefan Neuding, em fevereiro de 1993, dentro de um avião com destino a Paris, onde Marie tinha planos de passar um ano. "Quando eu fui para o exterior pretendia me testar. Queria trabalhar com um grande estilista mundial para saber se tinha talento ou não."
Como ia circular no mundo da moda, a ex-estudante de arquitetura da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e de Administração de Empresas da GV (Fundação Getúlio Vargas) achou que deveria viajar com uma mala para cada estação do ano.
Escolheu inicialmente a Europa porque lhe pareceu mais acolhedor do que Nova York, por exemplo. A bagagem de Marie consistia em malas lotadas de roupas e um "portfolio" com esboços de modelos que ela havia começado a desenvolver e que seriam apresentados tempos depois (em maio do ano passado) na mostra "O Corpo Feminino e a Roupa como Escultura", realizada no Palácio da Cidade, no Rio de Janeiro, e no Museu de Arte Moderna, em São Paulo.
Donna Karan
"Antes da viagem, minha mãe me perguntou com quem realmente eu tinha vontade de trabalhar, se pudesse escolher. E eu disse 'Donna Karan'." Mas como a sua passagem de avião marcava como destino Paris, Marie decidiu bater na porta do ateliê de Claude Montana. Foi recebida pelo menos seis vezes por pessoas da equipe do estilista francês, mas em nenhuma delas mostrou todos os seus desenhos com receio de que fossem copiados.
Conseguiu ser contratada como assistente da coleção que Montana desenvolveria para a próxima estação. Como restava algum tempo antes de o trabalho começar, Marie resolveu viajar para Milão.
Ao desembarcar na Itália, descobriu que Donna Karan tinha acabado de abrir um escritório na cidade e, mais uma vez, decidiu arriscar a sorte. Montana ficou na mão. "Donna Karan tem sete escritórios no mundo e apenas dois deles são de design. Um fica em Nova York e outro justamente em Milão."
Como a brasileira preferia trabalhar com algo que ela não conhecesse, foi parar na área de materiais, para desenvolver cores e padronagens de tecidos.
Durante o ano e meio em que trabalhou com DK, Marie passou a maior parte do tempo na ponte aérea Milão-Nova York, sede da empresa da estilista norte-americana.
Não foi por acaso que Marie escolheu Donna Karan. "Eu me identifico com a proposta dela. Quero valorizar a mulher normal, deixar essa mulher linda e maravilhosa. Minhas criações não são para modelos de 40 quilos. Sou uma mulher criando para mulheres. Provo todas as peças que desenho para saber se a saia não está curta demais, a fenda do vestido muito aberta ou a blusa transparente. Eu me recuso a fazer roupas com efeito de passarela. A moda tem de ser usável e confortável. A roupa tem de ser bonita por fora, para agradar aos outros, e por dentro, para agradar a quem está usando."
Marie diz que ainda pretende ver, algum dia, as suas criações, com a etiqueta "made in Brazil", competindo no mercado internacional com a própria Donna Karan, Giorgio Armani e Richard Tyler, os seus favoritos. "Adoro concorrência, por isso quero ir para fora competir com os melhores do mundo. Só assim a gente cresce."
Foi para desenvolver a sua linha Marie Toscano, e também por causa do namorado, que a estilista pediu uma licença para Donna Karan e voltou ao Brasil em junho de 1994. Nessa época, começou a preparar as 28 peças para a exposição "O Corpo Feminino e a Roupa como Escultura". Quando voltou para Nova York, em janeiro do ano passado, Marie já estava dividida demais entre a vida profissional e a vida pessoal para continuar morando no exterior.
Antes de abandonar definitivamente Donna Karan e os Estados Unidos, tentou organizar uma exposição no Fashion Institute of Technology (FIT), mas se deparou com um problema de agenda: as mostras normalmente são planejadas com dois anos de antecedência.
O guru
"O diretor do instituto falou muito bem do meu trabalho. Ele me animou a procurar lojas de departamento norte-americanas e me recomendou para o curador do Costume Institute, do Metropolitan Museum de Nova York", diz Marie.
A estilista hesitou um pouco antes de marcar a reunião com Harold Koda e jamais poderia imaginar que ele acabaria se transformando no seu guru. O curador não só orientou Marie a procurar a sofisticada loja Bergdorf Goodman como pediu uma de suas criações para o acervo do museu. A peça escolhida foi um vestido de tecido misto de acetato e algodão, nas cores verde e vinho, com um corte que parece uma dobradura japonesa em papel (origami).
Seguindo o conselho do guru Koda, Marie passou a percorrer outras das melhores lojas de departamento de Nova York e, para sua surpresa, recebeu encomendas.
"Algumas lojas, como a Saks Fifth Avenue, queriam fazer pedidos para eu entregar no prazo de três meses, mas eu não tinha estrutura naquela época. Na dúvida, fiquei com medo e recusei os pedidos. Precisava me organizar antes de assumir responsabilidades. Aconteceu tudo muito rápido, e eu não estava preparada. Não poderia fazer coisas se não conseguisse dar continuidade a elas. É frustrante, mas faz parte da juventude", diz Marie.
Ela fez um cálculo rápido antes de dizer não às propostas. Se a Saks, por exemplo, que tem 42 lojas em todo o país resolvesse encomendar apenas um dos 30 modelos que Marie apresentou, a sua produção já chegaria a 500 vestidos -levando em conta que cada um deles seria entregue em mais de uma cor e tamanho-, uma escala que a estilista não podia bancar naquele momento.
Mesmo sem dispor das condições ideais de trabalho, ela emplacou 20 modelos nas lojas Bergdorf Goodman e Linda Dresner.
Marie admite que, em função da profissão que escolheu, seria mais fácil trabalhar em Nova York, que está se transformando na capital mundial da moda com a mudança de renomadas grifes européias como Prada, Dolce & Gabana e Versace para lá. Mas por causa do futuro marido decidiu espetar seus alfinetes no Brasil.
Brasil
"O lugar que você escolhe para se estruturar é o lugar onde vai morar para o resto da vida. E eu queria morar aqui. Se começasse me organizando nos Estados Unidos ficaria muito difícil um dia voltar", disse.
No Brasil, Marie montou sua equipe, que atualmente conta com 11 pessoas e apenas uma filosofia: a do acabamento impecável. Até agora, ela havia se dedicado apenas ao "evening wear", ou seja, vestidos de noite, com preços que variam de US$ 1.600 a US$ 4.000 em lojas nova-iorquinas.
Até novembro, estará pronta para mostrar a sua primeira coleção de "prêt-à-porter" (primavera-verão). A produção da estilista, que hoje é de 25 peças por mês em média, vai então saltar para 300 peças. No mês que vem, Marie já deve estar instalada em seu novo ateliê, um loft de aproximadamente 700 metros quadrados em Moema, zona sul de São Paulo.
O novo espaço não será uma loja, mas um show room onde a estilista pretende mostrar suas criações numa atmosfera "intimista". Cita o exemplo de Donna Karan e de Ralph Lauren, que, na última temporada de desfiles em Nova York, preferiram não armar suas "tendas" no circo montado na Sexta Avenida, onde os desfiles acontecem.
"Eu acho que a linha de noite é mais intimista. Não vejo um vestido meu entrando e saindo em dois minutos da passarela. Não daria tempo para as pessoas repararem no acabamento." O acabamento consiste em modelos confeccionados com tecidos importados (a maioria deles da França e da Itália), forrados de seda pura e bordados na Índia por uma brasileira, Katia Fernandes, que costura também para Armani, Valentino e Krizia, entre outros.
Peixe fora da água
Apesar de elogiar a iniciativa da recém-criada temporada de desfiles em São Paulo, que unifica o calendário da moda com todos os lançamentos da estação, Marie ainda se sente um peixe fora da água no aquário brasileiro.
"Até agora não fiz nada no Brasil para que as pessoas me conhecessem e conseguissem me encontrar. Estou desenvolvendo um trabalho numa linha mais exclusiva, sob encomenda, que não tem volume suficiente que justifique fazer um desfile grande."
Outra razão para ficar de fora do mundinho fashion é, segundo Marie, o fato de ela não seguir tendências. "Os vestidos de noite são caros e, por isso, têm uma proposta de beleza eterna. Se alguém olhar um vestido meu e disser que é da coleção deste ano, por exemplo, então eu falhei. Não quero que minhas coleções fiquem datadas."
Como se não bastasse o casamento, a inauguração do novo ateliê e o lançamento da coleção "prêt-à-porter", Marie prepara ainda uma encomenda de 20 peças "evening wear" para a próxima coleção de inverno da Barneys, de Nova York.
Eles já haviam mostrado interesse pela grife Marie Toscano, mas como a loja entrou em concordata, a estilista achou mais prudente adiar por algum tempo a assinatura do contrato. Mas agora finalmente as duas partes se acertaram. Os planos de Marie incluem ainda um desfile em Nova York, em abril do próximo ano. "Tenho tantas oportunidades que não estou dando conta."

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