São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 1996
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A eleição do iogurte

NELSON BIONDI

Em tempo de eleição, como em tempo de guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. Veja os artigos sobre esses duendes do marketing político que são capazes, com sua mágica habilidade, de enganar o povo para eleger um hambúrguer, um iogurte ou uma lata de leite condensado.
O mais curioso é que as advertências partem sempre de quem está perdendo as eleições. O marketing político foi uma maravilha quando Fernando Henrique venceu Lula. Hoje é péssimo, é manipulação, quando Serra, do mesmo PSDB de Fernando Henrique, está atrás nas pesquisas em São Paulo.
O PT, também, que condenava o marketing político quando Lula foi derrotado em eleições presidenciais passadas, nesta foi buscar o publicitário Celso Loducca, para modificar a imagem de Erundina e assim reduzir sua rejeição. Pelo jeito, marketing político é ótimo quando o candidato da gente vence, e péssimo quando a vitória é do candidato dos outros.
De qualquer forma, nada como o marketing político para levar a culpa. Se todos se lembram, o ministro da Justiça de Geisel, Armando Falcão, criou uma lei que ficou com o seu nome e que restringia o aparecimento dos candidatos no vídeo a um simples retratinho -era o medo de que uma campanha eficiente pudesse eleger algum adversário do regime.
Mais recentemente, para as eleições presidenciais de 94, o então senador e atual governador de São Paulo, Mário Covas, e o então deputado José Serra inspiraram a lei que vigorou naquela eleição, pela qual só era permitido passar no horário eleitoral gratuito o que fosse gravado em estúdio -mais uma vez, o medo de que alguém mais talentoso pudesse fazer um candidato, como Lula, por exemplo, vencer nas urnas.
Hoje, o deputado paulista José Aníbal, líder do mesmo partido de Serra e Covas, o PSDB, vendo seu candidato atrás nas pesquisas, quer proibir, segundo recentes declarações, as produções e os comerciais para a próxima campanha de 98.
Fica mais uma vez evidente que os tucanos, pensando na reeleição e inspirados no dr. Falcão, só acham correto aquilo que os favorece. Também se deve concluir que, para eles, a campanha para ser boa tem de ser chata.
Como se vê, os candidatos desses senhores não vão mal porque não expressam, naquele momento, a vontade popular: vão mal por causa do marketing político que engana o povo.
Tenho certeza que, se não fosse politicamente incorreto, se não contrariasse a pose tucana, eles diriam o que estão pensando, mas não têm coragem de dizer: o povo não sabe votar, e por isso temos de ajudá-lo.
O problema é que marketing político é uma expressão que está ficando muito conhecida, mas seu significado não está; e este significado é desconhecido principalmente pelos que procuram comentá-lo.
Marketing político não é transformar Jânio Quadros em Richard Gere nos dois meses de horário gratuito, para ganhar o eleitorado feminino.
Marketing político não é algo que aconteça só durante a campanha. Não se restringe à estratégia que formata um programa de televisão, nem apenas aos textos dos candidatos durante esse período.
O marketing político, na verdade, nasce muito antes do lançamento de um candidato. É algo que se faz o tempo inteiro, durante toda uma administração, durante toda uma carreira política. Daí surge uma estratégia eleitoral: a campanha é só uma consequência. É isso que a maioria dos políticos, principalmente os mais antigos, não quer ver, ou não consegue compreender.
Nestas eleições paulistanas, o grande trunfo foi a administração de Maluf -operosa, eficiente, presente, sentida pela população. A estratégia de campanha foi traçada muito antes da escolha de Celso Pitta: tratava-se de transferir para o candidato os votos do prefeito. Sabíamos, pelas pesquisas -ferramentas essenciais do marketing político-, que havia uma grande vontade de reeleger o prefeito. A campanha, basicamente, seria mostrar ao eleitor que, não havendo possibilidade de reelegê-lo, a melhor opção seria votar em quem continuasse sua obra.
Daí decorreu também a escolha do candidato: alguém em quem o eleitor identificasse a administração de Maluf. Este é um ponto, aliás, que mostra que não há marketing político milagroso, capaz de enganar o povo.
Veja: quando Maluf, já consagrado por sua administração, apoiou o sindicalista Luiz Antônio de Medeiros para o governo do Estado, nas eleições de 94, o eleitor não aceitou a identificação entre ambos, e a votação de Medeiros foi baixa. Para estas eleições, as pesquisas e as conversações políticas foram apurando o caldo, até que restassem quatro pré-candidatos que, de acordo com o partido, melhor expressariam e simbolizariam a continuidade da administração do prefeito Maluf. Nenhum deles era político profissional.
Após testes, pesquisas e análises políticas, escolheu-se um nome quase desconhecido da população, Celso Pitta. Só então começamos, Duda Mendonça e eu, dentro da estratégia já traçada, a criar a linha da campanha, a formatar o conceito, a pensar nos jingles, nos anúncios, nos comerciais, nos outdoors; enfim, só aí começamos a definir com mais precisão a linha da campanha, aquilo que inadequadamente chamam de marketing político.
E, pode estar certo, tudo o que foi feito -e hoje é visto e elogiado- não teria sucesso se Pitta não tivesse sido importante no esquema administrativo de Paulo Maluf, se tivesse esqueletos no armário, se não passasse ao eleitor sua própria credibilidade, sua segurança, sua educação e sua competência.
A tentativa de transformar o marketing político em manipulação do eleitorado é coisa de perdedor. É como candidato que duvida dos resultados das pesquisas. Pode verificar que, quando isso acontece, ele está por baixo.

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