São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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A dieta pobre de um país rico

HIROMI SASAMOTO
DO "WORLD MEDIA"

Um professor universitário britânico ficou perplexo quando, ao avaliar exames com colegas japoneses, alguém lhe ofereceu uma caixinha amarela cujo rótulo dizia "alimento equilibrado", ao lado de uma lista dos elementos nutricionais contidos no produto, de vitamina B12 a ácido pantotênico.
Num canto da sala onde mais de cem professores trabalhavam em ritmo frenético havia uma pilha de caixas semelhantes. Um dos professores abriu uma delas, arrancou o papel da embalagem e tirou dois pedaços de algo que se assemelhava a um biscoito seco.
"Não me pareceu comida de verdade", lembra o britânico. "Como é possível viver assim?"
O produto em questão era o Calorie Mate, fabricado pela companhia farmacêutica Otsuka e um dos produtos alimentícios de maior sucesso a surgir no Japão nos últimos dez anos.
Em 1994, as vendas de Calorie Mate chegaram a US$ 340 milhões, contra US$ 50 milhões em 1983, quando foi lançado. Cerca de 180 milhões de pacotes são vendidos anualmente no país -um para cada habitante.
"É prático, nutritivo e saboroso", diz Tadashi Itoh, porta-voz da Otsuka.
Ele atribui o sucesso do produto à crescente consciência dos japoneses sobre os problemas de saúde e à mudança no estilo de vida.
A empresa criou o produto no início dos anos 80, num momento em que a economia japonesa ainda se encontrava em plena expansão, visando homens e mulheres sem tempo para uma refeição apropriada.
A dieta começava a se ocidentalizar, passando a incluir mais gordura e carne, o que modificou o padrão das doenças que acometem os japoneses.
Assim, a idéia chave passou a ser a "comida balanceada", segundo Itoh, que deve conter, num único produto de tamanho pequeno, todos os ingredientes básicos da nutrição.
Durante vários anos o Calorie Mate não teve concorrentes, mas hoje já existem vários. Em 1994, a Takeda Food Company, subsidiária da Takeda Chemical Industries, Ltd., pôs no mercado um alimento balanceado próprio sob o nome de marca Vitamin Salad.
Apesar do nome, não tem uma única folha de alface: é um biscoito de aparência normal, enriquecido com dez tipos diferentes de vitaminas e contendo legumes e verduras desidratadas, em pó.
Segundo Junnosuke Shinke, da Takeda, responsável pela promoção do Vitamin Salad, o produto se esgotou um mês depois de lançado. Sua embalagem foi feita para caber na bolsa da "mulher jovem que trabalha fora de casa", a mais ávida entre os consumidores japoneses. A estratégia funcionou.
Apesar de ter, diz Shinke, "uma variedade maior de alimentos, nossa dieta está ficando cada vez mais pobre. Nossos produtos complementam essas deficiências".
"O sabor é um fator crucial. Não se pode vender um produto alimentício ou bebida se tiver sabor ruim -só se for remédio", afirma. O Vitamin Salad é vendido em três sabores: chá preto, chocolate e pizza.
Itoh, da Otsuka, admite que embora a chamada "bebida esportiva" produzida por sua empresa -vendida sob o nome bizarro de Pocari Sweat (Suor Pocari) e anunciada como maneira de repor nutrientes perdidos após intensa atividade física- seja a terceira bebida mais consumida no país, depois da Coca-Cola e de bebidas com sabor de café, sua versão diet parece não ter feito sucesso.
Ele acha que isso se deve ao fato de o Diet Pocari Sweat ter sabor artificial, que os consumidores japoneses rejeitam.
Produtos como esse, visando a população jovem e de vida agitada, se incorporam aos hábitos alimentares mudados dos países desenvolvidos.
Segundo Yasuo Muramoto, do "The Japan Food Journal", publicação especializada em alimentos e bebidas, a indústria alimentícia japonesa lança 50 mil novos produtos por ano, incluindo os que são modificações de produtos já existentes.
Enquanto supostos alimentos como o Calorie Mate fazem sucesso no mercado, a dieta japonesa é acrescida de novidades exóticas. Uma grande cadeia japonesa de supermercados, a Seiyu, substitui cem produtos novos a cada mês.
Uma lista recente dos produtos mais vendidos nos supermercados Seiyu revela um microcosmo da cultura culinária do país.
Ela inclui "natte de coco" (uma gelatina feita de coco processado), "tiramisú", iogurte de aloe vera, molho de espaguete, pão com "ikamisu" (pigmento de molusco) e arroz cozido para ser aquecido em forno microondas.
Para Isao Nomura, da Seiyu, a demanda desses novos produtos (como o "natte de coco" e o "tiramisú") se deve ao número cada vez maior de japoneses que viajam ao exterior. O iogurte de aloe vera reflete a nova preocupação com a saúde.
Enquanto isso a recessão prolongada e a concorrência implacável provocam o "realinhamento" da indústria, forçando alguns fabricantes de outros tipos de produtos a ingressar no mercado como estratégia de sobrevivência.
Os hábitos alimentares dos japoneses vêm se tornando cada vez mais ecléticos.
As mudanças refletem a tendência de adotar alimentos estrangeiros, mas também o surgimento de um mercado para produtos inteiramente novos, criados especificamente para o consumidor japonês e incluindo várias bebidas esportivas e suplementos alimentares.
Depois de modificados adequadamente, esses "alimentos de conveniência" japoneses podem muito bem ser adaptados para outros países, já que foram criados em função da presença do estresse na vida dos consumidores e de sua crescente consciência das questões relativas à saúde.

Tradução de Clara Allain

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