São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996 |
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Woody Allen luso revela fetiches
LEON CAKOFF
O cineasta, autor e ator de "A Comédia de Deus", é uma versão lusitana de Woody Allen. Ambos resolvem problemas psicológicos diante das câmeras. A diferença é que Monteiro é um fetichista assumido que cria com as suas taras um universo cinematográfico original, incômodo, em que a perversão provoca mais sentimentos de compaixão do que de censura. João César Monteiro se revela como um auto-retrato animado em meio às mais secretas fantasias sexuais. Por exemplo, toda a provinciana sociedade lusitana sabe da sua coleção de pentelhos. É um personagem galante e repulsivo, capaz de gestos dramáticos para convencer uma mulher a lhe ceder uma calcinha ou um inocente pêlo púbico para enriquecer o seu álbum de recordações. Isto aparece fartamente ilustrado no seu novo filme, destacado com o prêmio especial do júri no Festival de Veneza de 1995. Cínico e irresponsável pelo teor de suas confissões, a comovente obra poética de Monteiro divaga entre as provocações literárias de Bocage a Sade. O Deus do título é sobrenome do personagem João, um sorveteiro que toca o seu negócio numa casa chamada "Paraíso do Gelado". Menos sutil que em seus trocadilhos, o paraíso de Deus é só uma fachada para gelados. O seu verdadeiro paraíso está na lenta sedução da ninfa Joaninha. Entre as boas lembranças catalogadas em seu chamado "Livro de Recordações" (com a coleção de pentelhos) e os pensamentos sexuais que preenchem os tempos de solidão, Monteiro revela uma galeria de desejos reprimidos. Vítima de suas próprias revelações, autor e personagem se condenam jurando inocência e pureza de intenções. O filme todo é um atrevimento raro de se ver tão bem ordenado ao longo da história do cinema que, em resumo, nada mais é do que um longo inventário de fetiches. O cinema de Monteiro ultrapassa as barreiras da moral e se condena antes que os hipócritas dos plantões reajam. Por tudo, o lançamento de "A Comédia de Deus" é um grande acontecimento. Filme: A Comédia de Deus Direção: João César Monteiro Com: João César Monteiro e Manuela de Freitas Quando: a partir de hoje no Cinesesc Texto Anterior: Taviani encenam batalhas do amor Próximo Texto: "Prisioneiro" desperdiça boa história Índice |
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