São Paulo, sábado, 21 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um povo à procura de uma elite

RUBENS RICUPERO

"Há países e épocas em que elites esclarecidas se avantajam, às vezes, às intuições do povo e conseguem levá-lo a novas etapas de desenvolvimento... Há outros onde o povo parece empurrar a sociedade, talvez sem um roteiro de marcha definido, mas com um sentido inequívoco de renovação. Creio que é este hoje o caso do Brasil..."
Soa familiar e pertinente, não é verdade? No entanto, essas palavras foram pronunciadas há mais de 30 anos por San Tiago Dantas, poucos meses antes de morrer.
Sua atualidade se manifesta no constante apoio popular à estabilidade monetária, tal como refletido nas pesquisas de opinião, sem prejuízo de atitudes mais críticas em relação a problemas sociais não-resolvidos, como o agrário.
Essa fidelidade invariável ao longo de mais de dois anos é o resultado de uma verdade não de todo digerida pelas elites, conservadoras ou progressistas: a de que a estabilidade é causa altamente popular, pois é a maneira mais rápida de melhorar a vida da maioria.
A pesquisa por amostra domiciliar do IBGE vem, com efeito, confirmar que a parcela mais pobre e numerosa da população teve melhoria substancial de renda, dando assim caráter de fato comprovado ao que era antes considerado opinião subjetiva. Não admira, portanto, que a intuição popular identifique na moeda estável um bem a ser preservado e defendido.
Dizia-me não faz muito o presidente do BID, Enrique Iglesias, que o plano brasileiro era talvez o único na América Latina a ter produzido uma melhoria sensível, imediata e duradoura nas condições de vida dos mais pobres.
O problema é que esses efeitos se fazem sentir de uma vez por todas. Esgotado o primeiro impacto, é preciso agir com rapidez a fim de conservar e ampliar as conquistas iniciais.
Em outras palavras, como dizia San Tiago, a contenção inflacionária seria sempre uma etapa preliminar indispensável, mas ficaria privada de sentido se não conduzisse a um projeto de reorganização nacional construído sobre três fundamentos: regime democrático, economia viável e reforma social.
Devido à sua interdependência, cada um desses elementos não pode subsistir sem os demais. Assim, a sobrevivência da liberdade depende da capacidade de estender a todo o povo os benefícios dessa liberdade, hoje reservados a uns poucos.
Por outro lado, "se não for concebida ... como empreendimento econômico e transformação social, a reforma corre o risco de nascer velha e desajustada de seus objetivos".
O povo deu o impulso de partida para empurrar a sociedade rumo à renovação, ao fazer da nova moeda um êxito instantâneo. Mas esse empurrão não pode, sozinho, manter e acelerar o movimento. Para isso faz falta um roteiro, isto é, um destino e um caminho.
O destino só pode ser um: a eliminação da pobreza absoluta e a redução da desigualdade em termos relativos.
O caminho para lá chegar é um programa integrado de reformas que permita avançar simultaneamente nos domínios do político, do social, do econômico, ao longo de um cronograma com metas definidas.
Certas reformas, como a da Previdência, a administrativa ou a busca do equilíbrio orçamentário, andam devagar e aos solavancos porque enfrentam, sem dúvida, interesses contrariados. Só o interesse geral poderá impor-se a esses interesses setoriais. Isso não acontecerá, contudo, se não se conseguir demonstrar ao conjunto da população como e por que cada uma dessas mudanças é indispensável para melhorar a vida concreta de todos os brasileiros.
Enquanto isso não sucede, a estabilidade se mantém, mas ao custo de juros altos, moeda valorizada, expansão da dívida e crescimento anêmico.
A missão de propor um roteiro e persuadir a população a segui-lo constitui a própria essência da liderança, a única justificativa para aceitar e respeitar "as elites esclarecidas".
Nesse conceito deve compreender-se não só o governo ou o Executivo, mas o conjunto das lideranças políticas e econômicas responsáveis.
Se elas forem dignas

Texto Anterior: Um dígito; Quem pode, pode; Trocando as bolas; Na moita; Com fibra; Céu vermelho; Parceiro inglês; Recompra bancária; Em debate; Mercado editorial; Na surdina; Agora, aliviados; Pulo da caipirinha; Com esperança; Carro encalhado; Na cabeça; Desempregada
Próximo Texto: Quando o governo confessa suas mentiras
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.