São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Franco elabora saída 'três em um'

Tese do diretor do BC omite desemprego

ELEONORA DE LUCENA
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO

Depois da "teoria do bolo" de Delfim Netto nos anos 70 e dos choques heterodoxos nos 80, a famigerada globalização dos 90 ganha contornos de doutrina no Brasil.
O responsável pela elaboração teórica tupiniquim é Gustavo Henrique de Barroso Franco, 40, diretor de assuntos internacionais do Banco Central. Em documento de 47 páginas ("A inserção externa e o desenvolvimento"), Franco ataca os modelos adotados até o início desta década e diz ter a saída para "crescer, distribuir renda e manter a competitividade ao mesmo tempo".
Essa fórmula "três em um" está baseada em aumento da produtividade e radicalização da abertura econômica -ela deve ser o dobro ou o triplo da existente hoje, defende Franco. Para ele, o motor do desenvolvimento é a área privada, o mercado -não mais o Estado.
Discurso no México
As idéias não são propriamente novas. Elas desembarcaram aqui com Collor, dez anos após o início das eras Thatcher e Reagan. Foram colocadas em prática de forma atabalhoada. O trio Zélia-Kandir-Eris tateava o modelo, tentando seguir a tendência mundial.
Não se tem notícia de que tenham elaborado qualquer arcabouço teórico para justificar a abrupta abertura às importações ou o ataque feroz aos "carros-carroças". O impeachment borrou o cenário de mudanças. Mas elas não pararam e se acentuaram com Fernando Henrique Cardoso.
O presidente, é verdade, ensaiou teoria a respeito. Em fevereiro, durante visita ao México, discursou sobre os efeitos da globalização. Resignado, disse que o fenômeno era um "componente incontornável das decisões do governo".
Ponderou sobre as mexidas no capital, a desigualdade e a exclusão social.
Mas, no final, definiu o movimento como "um novo Renascimento, que sinaliza uma era de prosperidade sem igual na história do homem". Foi uma avaliação sociológica.
Agora, Gustavo Franco agrega o economês à ideologia, consolidando a tese ultraliberal. Neste documento, entregue à Presidência, ele é agressivo e parte para o ataque.
Critica a receita de Delfim -fazer crescer o bolo para depois distribuí-lo. Chama de populismo a técnica dos congelamentos e das altas inflações.
Mas o alvo principal é o projeto nacional de auto-suficiência e de substituição de importação -base do modelo brasileiro desde os anos 30. Franco não hesita em decretar que "estivemos andando na direção errada" todos esses anos.
Com tabelas, gráficos e equações, ele tenta demonstrar que "a industrialização que busca a auto-suficiência aumenta a vulnerabilidade externa" -e põe de cabeça para baixo dogmas dos anos 70 e 80.
Distribuição de renda
Apesar de prometer melhor distribuição de renda -que seria alcançada com mais produtividade e megaabertura comercial-, em todo o seu texto Franco não toca no problema do desemprego.
Estudo do governo já apontou aceleração no corte de vagas provocado pela abertura. Só no ano passado a onda de importações causou corte de 390 mil vagas. Entre 87 e 94, esse número ficou em 100 mil. Mas o fato parece não preocupar o economista.
Fanático pelo mercado, o modelo de Franco derruba o papel do Estado na economia. "O governo se torna coadjuvante e as burocracias e os políticos perdem o papel missionário que assumiram ao longo de décadas", advoga.
Para ele, "o investimento ocorre porque o setor privado confia na sustentabilidade de um quadro macroeconômico básico. Não é mais consequência de 'projeto nacional', composto de megainvestimentos, urdido em gabinetes".
Nó político
Esse radicalismo ainda não teve maior eco no atual governo. Na mesma semana em que o documento de Franco era debatido por economistas, o presidente lançava o seu "plano de metas" -expressão condenada pelo economista- e o debate sobre reeleição voltava a esquentar.
É nesse ponto -o político- que os discursos de Franco e FHC parecem não combinar muito. Enquanto o diretor do BC quer deixar o mercado livre da interferência do Estado, o presidente prefere apenas "recompor funções".
No México, FHC disse que o Estado deve sair da produção, mas precisa intensificar sua missão de "direcionar o desenvolvimento". Sinal de que, apesar das tentativas, a doutrina neoliberal no Brasil ainda precisa ser mais lapidada.

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