São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Dependente diz que crack não fazia efeito

ANDRÉ LOZANO
DA REPORTAGEM LOCAL

O dependente de heroína I.S.J., 30, que não quer se identificar, conta que perdeu um patrimônio de R$ 600 mil nos últimos dois anos por causa da droga.
Ele relata que o consumo da heroína, em seu caso, ocorria em um seleto grupo de 18 pessoas capazes de pagar até R$ 280 pelo grama da droga e usá-la em "lugares maravilhosos" como casas de três andares em bairros elegantes da cidade ou em casas à beira-mar no litoral norte de São Paulo.
Sem dinheiro e ainda viciado, I.S.J. se tornou "pombo-correio" de traficantes do bairro da Liberdade -ia buscar a droga na fronteira. A seguir, a entrevista de I.S.J.:

*
Folha - Onde você começou a se drogar com heroína?
I.S.J. - Com heroína comecei a me drogar aqui em São Paulo. Eu tinha cacife no começo (ele não quis que seus negócios fossem revelados). Mas chegou uma certa hora que eu já não tinha mais cacife. Aí eu comecei a trabalhar para eles. Eu virei o pombo-correio e comecei a viajar para a fronteira.
Folha - Que fronteira?
I.S.J. - Do Paraguai, Argentina, Colômbia, onde me mandassem buscar a droga. Geralmente ia de moto e trazia a droga escondida na carenagem. Trazia de 30 kg a 40 kg.
Folha - Com que periodicidade você fazia essas viagens?
I.S.J - No começo, uma vez por semana. Recentemente, praticamente todos os dias. No mínimo a cada dois dias.
Folha - Como você descobriu os canais da heroína em São Paulo?
I.S.J. - Eu tive de ficar dois dias plantado na Liberdade (bairro da região central) esperando as pessoas chegarem em mim. Eu tive um diálogo com uma moça, que era pombo-correio. Eu tive um caso com ela, que passou a fornecer heroína para mim.
Folha - Você já foi abordado pela polícia com heroína?
I.S.J. - Nunca. O policial nem conhece a heroína.
Folha - A polícia diz que praticamente não existe heroína no Brasil. O que você acha disso?
I.S.J - Eles só não querem abrir os olhos.
Folha - O que o levou a procurar a heroína?
I.S.J. - O crack já não fazia mais efeito, só deixava aquele cheiro horrível na roupa, na casa.
Folha - Como se faz para conseguir a droga?
I.S.J. - Somente com uma pessoa do grupo te colocando dentro dele. É como a maçonaria. Você tem perigo até de morte.
Folha - Como era o seu grupo?
I.S.J. - O meu grupo tinha 18 pessoas de poder aquisivo bem, bem alto. Um pessoal jovem e bom de grana. A gente se drogava em festas, em casa.
Folha - Onde vocês se drogavam?
I.S.J. - Em lugares maravilhosos, em casas enormes, de três andares, com piscina, salão de festas, salão de jogos. Coisa linda, coisa bem feita. Essas casas estão no Brooklin, nos Jardins, na praia da Baleia, na Barra do Sahy. Você entra, tem um pessoal conversando, batendo papo, outro pessoal cheirando, fumando maconha, fumando pedra (crack), gente transando no quarto. Só entram pessoas conhecidas.
Folha - Por que você decidiu procurar tratamento?
I.S.J. - Eu estava caindo na depressão, estava vendo que para mim era o fim. Não estava mais legal. Pensei em suicídio, pensei em morte aos 30 anos, com três filhos. Eu precisava me tratar. Queria ser uma pessoa normal.
Folha - O que você quer fazer daqui para a frente?
I.S.J. - Quero voltar a morar com a mamãe e com o papai, debaixo das asinhas deles, e renovar a minha vida. Começar tudo de novo, renascer.

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