São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Avalie se é negócio quitar dívida no SFH

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

Liquidar a dívida da casa própria antes do prazo final com desconto, conforme prevê medida provisória que deve sair por esses dias, pode não ser bom negócio. Mas, numa segunda etapa, outra MP ou a que está para sair, reeditada, tem chances de mudar essa avaliação.
Terminado o prazo contratual, o mutuário com o "guarda-chuva" desse fundo dá baixa na hipoteca e o que sobrar de saldo devedor será assumido pelo agente financeiro e, principalmente, pelo FCVS, ou seja, pelo Tesouro Nacional.
Os novos contratos da Caixa Econômica Federal (CEF) cujos mutuários terão direito ao desconto -inclusive pela fórmula PxN, de prestação vezes os meses que faltam- serão apenas aqueles cobertos pelo FCVS, como já ocorreu na primeira rodada de descontos, em 1990, com a lei 8.004.
Desde aquele época, podem ser quitados contratos do Sistema Financeiro da Habitação assinados até 28/2/86. Agora, a nova MP estenderá essa possibilidade a financiamentos até 14 de março de 1990.
Prestação baixa
Mutuário com contrato antigo ainda resiste a quitar a dívida com desconto porque, além de pagar prestação baixa e ter a segurança de que o dinheiro do pagamento do resíduo não sairá de seu bolso, continua com a proteção do seguro habitacional, contra danos físicos no imóvel e também morte do titular.
Os resultados da quitação com desconto em 1990/91 foram até razoáveis, mas pesou o fato de que os cruzados bloqueados no Plano Collor puderam ser usados.
Desta vez, não há cruzado bloqueado -apenas o Fundo de Garantia, que também pode entrar como moeda de pagamento- e nada vai mudar quanto à responsabilidade do FCVS sobre o resíduo do saldo devedor.
A única vantagem da liquidação antecipada com desconto, segundo especialistas, é o mutuário se ver livre da hipoteca e poder negociar o imóvel como bem quiser.
Mas a tranquilidade da prestação baixa poderá acabar se o governo, numa segunda etapa, editar outra MP determinando que pelo menos os juros do financiamento sejam pagos pelo mutuário. Ou que se volte ao comprometimento de renda do início do contrato, o que poderá ser tentado pela via administrativa, sem MP.
O limite de comprometimento da renda sempre ficou em torno de 30%. Entidades de mutuários apontam o arrocho salarial dos últimos anos como uma das causas da defasagem prestação/dívida. Contudo, em milhares de contratos a prestação equivale hoje a menos de 5% da renda do mutuário.
Cobrar pelo menos o juro seria a forma de o governo brecar o aumento explosivo do rombo do FCVS. O mutuário continuaria não amortizando nada da dívida, mas ela deixaria de crescer em termos reais. O rombo potencial de R$ 50 bilhões ou mais, de que se fala tanto no governo, não se concretizaria em todo esse montante estimado.
Um exemplo
Quem, numa hipótese, tem hoje saldo devedor de R$ 50 mil e uma prestação (atualizada desde o último reajuste) de R$ 150, restando, digamos, 100 mensalidades, poderia quitar o financiamento pagando R$ 15 mil na alternativa PxN.
Se for pagar pelo menos os juros, a prestação poderia saltar para R$ 435, de uma hora para outra, já que a base de cálculo seria o saldo devedor atual. Os juros já foram de até 10,50% ao ano (0,87% ao mês no cálculo linear) na faixa de classe média e estão hoje em no máximo 12%.
Mesmo que o mutuário ainda ache os R$ 435 um valor relativamente baixo, ele teria mais 100 meses pela frente com este encargo, carregando a hipoteca. Poderia, portanto, mudar de idéia e optar pela quitação antecipada pagando R$ 15 mil de uma só vez.
Problema jurídico
Essa "carta na manga" do governo, ainda em estudo, poderá esbarrar de novo é na Justiça.
Em 1991, uma lei (nº 8.177) também determinou que o mutuário pagasse no mínimo os juros e o Supremo Tribunal Federal derrubou o artigo, ao julgar ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira.
O procurador não é mais o mesmo, alguns ministros do STF também, e entre advogados e no mercado há quem entenda que a questão da TR (taxa que corrige os saldos da poupança) é que de fato pesou contra a lei 8.177.
A maioria dos artigos derrubados trocava a equivalência salarial pela TR, quebrando, no entender dos ministros do Supremo, um ato jurídico perfeito e direitos adquiridos. No julgamento, acabou caindo também a cobrança dos juros.
Outros advogados entendem que o governo sofreria nova derrota, pois o STF, na mesma decisão, definiu que o direito público não prevalece sobre o direito privado.
Em outras palavras: mesmo que toda a sociedade, via Tesouro Nacional, tenha de arcar com o custo de subsídios dados no passado a milhões de mutuários, não se pode romper um contrato individual.

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