São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Disney cria cidade para a vida real

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

A poucos quilômetros do Reino da Fantasia, em Orlando, na Flórida, a Walt Disney Company está erguendo a sua mais cara, audaciosa e, para muitos, fantasiosa atração: uma cidade de verdade.
O seu nome, Celebration, evoca uma atração do parque de diversões mais famoso do mundo, mas não há nada na cidade, com exceção da marca Disney, que possa ser associado a um Mickey Mouse.
Trata-se, na opinião do arquiteto e urbanista americano Witold Rybczynski, que visitou recentemente o local, de uma experiência que "vai mudar a nossa maneira de planejar novas comunidades".
Idealizada como uma cidade pequena, capaz de acolher, ao longo dos próximos dez anos, não mais de 20 mil habitantes, Celebration inaugura oficialmente, agora em novembro, o seu centro comercial.
A Disney é dona de todos os prédios dessa área e os alugou para os lojistas. Nenhuma grande cadeia de lojas foi aceita, apenas comerciantes locais e regionais.
Outra novidade para o padrão norte-americano: muitos prédios do centro comercial têm uso misto, ou seja, lojas ou restaurantes embaixo e apartamentos em cima.
Com essas duas medidas, a Disney quer evitar que os habitantes e visitantes de Celebration se sintam como num shopping center.
A zona residencial também é alvo de um planejamento rigoroso.
As casas, cujos preços variam de US$ 130 mil a US$ 300 mil, devem ser construídas segundo um de seis estilos arquitetônicos catalogados pela Disney -todos eles bem típicos e tradicionais.
Ao comprar uma casa, o morador aceita se submeter a uma série de regras básicas, que vão desde o número de carros que podem estacionar em frente à residência (dois) até o número de bazares caseiros que pode promover (um por ano, no máximo).
Todas as casas terão pequenas passagens com acesso às garagens, que ficam escondidas no fundo dos imóveis. Os estacionamentos do centro comercial também não são visíveis: estão sendo construídos no interior dos blocos de prédios, longe das ruas.
Os principais prédios do centro foram projetados por arquitetos de renome, como Michael Graves (correio), Philip Johnson (prefeitura) e Cesar Pelli (cinema).
O delírio tecnológico fica por conta do projeto de, no futuro, ligar o complexo hospitalar e a escola a todas as casas, por meio de uma rede de fibra ótica. Dessa forma, o cidadão poderia controlar a sua saúde e o desempenho escolar dos filhos sem sair de casa.
Witold Rybczynski, que acha que o futuro está nas pequenas cidades, se entusiasmou com Celebration. Nem mesmo o excesso de regras impostas aos futuros moradores incomoda o urbanista.
"O sr. conhece alguma cidade sem regras? Lógico que não. Todas as cidades têm regras, na maioria dos casos, provavelmente mais que em Celebration. A noção de regras faz parte da vida nas cidades", disse à Folha.
Em sua visita, descrita num artigo publicado na revista "The New Yorker", Rybczynski pergunta a um executivo da Disney, Todd Mansfield, se ele não teme a expectativa criada em torno da cidade.
Mansfield, que também vai construir uma casa em Celebration, responde: "Muitas pessoas compraram casas pensando estar se mudando para Utopia. Temos que lembrá-las que não podemos oferecer proteção contra todas as doenças da sociedade".
Epcot
A Disney sonhava com uma cidade de verdade havia 35 anos. A idéia original, do próprio Walt Disney, jamais foi realizada. Segundo os seus planos, a cidade deveria se chamar Epcot (sigla, em inglês, para Protótipo Experimental da Comunidade do Futuro).
Na visão de Disney (1901-1966), a cidade do futuro deveria ser habitada basicamente por jovens e seria um laboratório para experiências com novas tecnologias. O projeto acabou não evoluindo, Disney morreu e Epcot virou, em 1982, um parque de diversões futurista.
Em 1984, os executivos da Disney tiraram da gaveta o projeto de uma cidade real -e Celebration começou a nascer.

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