São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Poética do exílio

RÉGIS BONVICINO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Poeta, romancista, ensaísta e professor titular de língua e literatura francesa na Universidade Columbia, em Nova York, Serge Gavronsky é, no momento, o mais ativo e renomado tradutor de poesia francesa para o inglês e também tradutor de norte-americanos como Louis Zukofsky e George Oppen para o francês.
Gavronsky nasceu em Paris em 1932. Mudou-se definitivamente para Nova York em 1941, durante a Segunda Guerra. Entre os expressivos autores traduzidos por ele, do francês para o inglês, estão Blaise Cendrars, Francis Ponge, Max Jacob e Emmanuel Hocquard.
"L'Interminable Discussion" -o mais recente poema de Gavronsky, editado com ilustrações de Jean-Marc Scanreigh e tiragem de 600 exemplares (Ed. Philippe Mellereau)- retoma à la Paul Éluard, tema e tom sufocado, a questão permanente para este autor do "exílio", agora revisitada por meio de fragmentos de lembranças do início da Segunda Guerra: o jardim de Luxemburgo bombardeado, a presença dos submarinos nazistas, o "fim" da cultura ("um distante Beethoven Nietzsche Goethe..."), a dança de réquiens etc.
A tradução, ela mesma, pode ser vista como um dos ofícios de certos "exílios". Ou de "trânsitos": Gavronsky é autor de um dos mais importantes livros de tradução desta década -o também recente "Toward a New Poetics" (University of California Press, 1994), em que os principais nomes da poesia e da prosa francesa da atualidade são entrevistados e vertidos para o inglês: Michel Deguy, Jacques Roubaud, Liliane Giraudon, Emmanuel Hocquard, Leslie Kaplan, Maurice Roche, Claude Royet-Journoud, Jacqueline Risset, Jean Frémon e outros.
Na entrevista que se segue, o autor de "L'Interminable Discussion" fala de questões de cultura, tradução e poesia.
*
Folha - O sr. acredita em linhas evolutivas em arte?
Serge Gavronski - Se as cavernas de Lascaux tivessem sido descobertas no século 18 seriam consideradas "bárbaras". Uma pessoa, neste mesmo século 18, consideraria uma peça africana "alienígena", distante do ideal greco-romano, algo infantil e ridículo.
Porém, no momento inaugural de nosso século em Paris, e mais tarde, depois da Segunda Guerra, esses mesmos artefatos e situações vieram a representar a oposição dialética às "crenças canônicas" em arte. Não, não existem linhas evolutivas em arte. O que há são redescobertas, como as de Claude Lévi-Strauss, que mantêm viva a imaginação humana. As "linhas evolutivas" estão ligadas às "crenças canônicas" e às políticas autoritárias.
Na "República das Letras", prefiro viver com multidões de diferenças, variedade de flores, como no poema "80 Flowers", de Zukofsky. Mao Tse-tung disse uma vez: "Deixe cem flores florescerem!". Inventores, diluidores, o bem, o mal... hum! Que coisa mais tola e pretensiosa!
Folha - Como o sr. vê a poesia neste momento mercantilista do mundo?
Gavronski - Jacques Roubaud diz que é impossível escrever poesia depois da existência dos campos de concentração nazistas... A resposta é sempre a mesma: a despeito dos horrores do mundo, ou do mercantilismo, ou talvez na verdade encorajado por eles, a poesia encontra novos desafios, tanto nas questões de pensamento e linguagem, quanto nas questões de resistir mais diretamente. Ronsard fez isso em seu tempo, bem como neste século Éluard, Aragon, Char e Francis Ponge.
Folha - Como o sr. se situa como poeta? Americano ou francês?
Gavronski - Eu me vejo como um espécie de "personificação da tradução" -desde criança, quando deixei Paris e cheguei ao Brooklyn. Poesia para mim só pode ser uma experiência de diálogo linguístico. Por um longo período, escrevi "poesia francesa" em contato com Barthes, Bataille, Derrida e Lacan, entre outros. A idéia de um falar "do coração", de permitir ao "eu" ser outro como um mecanismo sintático, não era uma opção na poesia francesa quando lancei meu primeiro livro, em 1973.
Todavia, em absoluta contradição com minhas "preocupações francesas" durante este mesmo período, aqui, em Nova York, li poemas no Central Park contra a guerra do Vietnã e pertenci ao grupo Poetas para a Paz... Há uma disposição para a narrativa que me interessa muito na poesia norte-americana. Há coisas curiosas na poesia francesa de vanguarda de hoje: o amor é um tema quase proibido!
Folha - O sr. poderia falar um pouco de Francis Ponge e de Ezra Pound?
Gavronski - Conheci Ponge quando ele era professor visitante em Barnard College, em 1967. Passamos a nos falar então com frequência, em virtude de eu o estar traduzindo para o inglês.
Estou convencido de que ele não era apenas o poeta dos poetas na França, e que não foi só o ponto de ruptura com uma poesia derramada a pretexto de um certo humanismo, mas que, como os beats, no sentido de "marginalidade", e depois os Language Poets, aqui nos EUA, ele criou um modo alternativo de se pensar a poesia -um modo "simplesmente expresso", que despia a língua de suas tendências narcisistas. Quando Ponge olhava as coisas, estava na verdade investigando, e não pesquisando, a linguagem. Estava tentando recuperar nosso olhar para as coisas.
Pound: é impossível separar o poeta do teórico (apesar de posições teóricas hoje bastante discutíveis), o poeta do tradutor, o poeta do simpatizante de Mussolini. Ele é, na verdade, com os "Cantos", o sucessor, no século 20, de Homero na reconfiguração das formas, na multiplicação de referências linguísticas, nas alusões históricas, biográficas e ideológicas etc. Embora eu tenha sido perseguido por nazistas e evidentemente não aprecie suas simpatias por Mussolini, vejo-o como um dos mestres absolutos da modernidade, até por suas contradições.

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