São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Redução do intestino liberou energia para o cérebro crescer

VANESSA DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O que teria permitido que, durante a evolução, o cérebro "crescesse" tanto, atingindo os níveis encontrados no homem?
Para Leslie Aiello, do University College (Londres), teria sido a redução do sistema digestivo. Aiello apresentou sua tese este mês, no Congresso Brasileiro de Genética.
Aiello parte de um fato básico, observado em todos os primatas -e aí inclui-se o homem. O cérebro é o órgão mais "caro" ao organismo. Isto é, a despeito de seu peso reduzido, é o órgão que mais consome energia se comparado a outros órgãos do corpo.
"Cada unidade de tecido cerebral consome 22 vezes mais energia do que uma unidade de tecido muscular, por exemplo", diz a pesquisadora.
A evolução de um cérebro maior se deu à custa de alguns outros órgãos do Homo sapiens, o homem moderno.
Outros órgãos caros
"Como conseguimos cérebros tão grandes sem consumir tanta energia?", pergunta Aiello.
Segundo ela, o cérebro não é o único órgão caro ao organismo. "Coração, rins, fígado e sistema digestivo -junto com o cérebro- correspondem a cerca de 7% da massa do corpo. Entretanto consomem quase 70% da energia requerida para mantê-lo."
Para Aiello, uma maneira de o cérebro ter "aumentado" sem que consumisse mais energia do que já consome seria reduzindo o tamanho de outros órgãos "caros".
Aiello estimou, com base em equações, o tamanho esperado desses órgãos dado o seu consumo de energia. Observou que, para um homem padrão de 65 kg, órgãos como rins, fígado e coração correspondiam aos seus cálculos.
O cérebro e o sistema digestivo, no entanto, não se adequavam à equação. Dado seu consumo de energia, o sistema digestivo deveria ser maior. O cérebro, por sua vez, deveria ser menor.
"O tamanho esperado do cérebro de um homem de 65 kg seria de 450 g. Mas pesa em média 1,3 kg. Já o sistema digestivo deveria pesar 1,88 kg. Pesa 1,1 kg."
Segundo ela, o consumo de energia do cérebro e do sistema digestivo é praticamente o mesmo.
"Isso significa que o crescimento do cérebro foi possível graças à redução do sistema digestivo, de onde foi 'roubada' a energia durante o processo evolutivo."
E isso não aconteceu só com o homem, segundo a cientista. Macacos como o brasileiro guariba (Alouatta seniculus) têm intestinos grandes e cérebros pequenos. Nos macacos-prego (Cebus apella) o que se observa é o contrário. "Esse tipo de relação sugere que houve uma evolução equilibrada do tamanho do cérebro e dos intestinos", afirma.
Dieta e sistema digestivo
Para a cientista, o intestino seria o único órgão caro ao organismo que poderia ter variado de tamanho suficientemente para compensar o custo energético de um cérebro desenvolvido.
Isso porque o tamanho dos intestinos é determinado, em parte, pela quantidade e digestibilidade do alimento. Alimentos difíceis de digerir (vegetais, em geral), como os que os ancestrais do homem comiam, requerem um sistema digestivo maior, com câmaras de fermentação elaboradas, como as encontradas em ruminantes.

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