São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Chineses promovem 'progresso espiritual'

The Independent
de Londres

TERESA POOLE
EM PEQUIM

O que é uma "civilização espiritual"? Não se trata de divagações sobre um conceito filosófico abstrato, pois a "civilização espiritual" está prestes a ser proposta à população chinesa como um paliativo de amplo alcance para os males sociais que afligem o país.
Na semana que vem, o Partido Comunista chinês vai promover seu plenário anual, um evento fechado que, este ano, deverá discutir a fundo os valores vigentes na China. O presidente Jiang Zemin, ansioso por fortalecer sua credibilidade ideológica, escolheu a "civilização espiritual" como tópico principal do plenário.
O "Diário do Povo", porta-voz do Partido Comunista chinês, está abrindo caminho para a publicação de uma série de artigos, em cinco partes, sobre uma nova geração de trabalhadores-modelo.
Até agora, já foram relatadas as proezas de um cobrador de impostos da Província de Fujian, de um quadro industrial e comercial na cidade de Tianjin e de um burocrata civil na Província de Henan.
São descritas como "material educativo sobre a construção da civilização espiritual socialista".
Os burocratas-modelo foram escolhidos para exemplificar o âmago da "civilização espiritual": amor pela pátria, lealdade ao Partido Comunista, preocupação com os cidadãos, amor pelo trabalho, rejeição da corrupção e respeito pelo meio ambiente.
A ênfase sobre o patriotismo e a gratidão para com o partido deve preencher o vazio moral no qual os chineses de hoje se vêem mergulhados e melhorar a imagem maculada do partido.
Enquanto isso, orientações mais práticas são dirigidas a quem sofre os efeitos da criminalidade, corrupção, danos ambientais e valores familiares em declínio..
Como parte da campanha da "civilização espiritual", este mês foi batizado de "mês dos anúncios de serviços públicos". Jornais e outdoors vêm dedicando espaço para mensagens de teor louvável.
"Incrementar a conscientização em relação ao meio ambiente e melhorar as condições sanitárias da cidade", dizia cartaz em Pequim. Em sua edição desta semana, o "Diário da Juventude de Pequim", o mais liberal dos jornais chineses, publicou um retrato de uma senhora idosa e solitária. A legenda que acompanhava a foto dizia: "Hoje, volte para casa e passe algum tempo com seus pais".
A China também implementou o plano, anunciado no início do ano, de bloquear o acesso dos usuários chineses da Internet a vários sites, incluindo os de jornais e revistas norte-americanas, organizações de direitos humanos e sites que divulgam pornografia.
O mais significativo, porém, foi o fato de que o governo suspendeu a publicação da revista "Mensário Econômico do Trabalho", que publicou uma crítica contra o declínio do setor estatal e o ritmo acelerado das reformas econômicas.
Assim, o entusiasmo do presidente Jiang pela "civilização espiritual" tem várias utilidades. A repressão à imprensa é bem recebida pelos antiliberais, e a reativação da campanha anticriminalidade e anticorrupção visa angariar o apoio da população. Enquanto isso as reformas econômicas continuam, excluindo debates públicos sérios a seu respeito.
A questão é saber se os chineses modernos dão ouvidos a campanhas antiquadas como a da "civilização espiritual". Entre a maioria da população, os valores tradicionais deram lugar ao cinismo.

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Sobre a China à página 27.

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