São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Estão mentindo sobre o Brasil

GILBERTO DIMENSTEIN

Relatórios internos de bancos americanos com interesse no Brasil disseminam informações equivocadas e estimulam uma trama internacional a favor da reeleição presidencial.
Preparadas com ajuda de consultores brasileiros, as análises de bancos como Salomon Brothers, Merril Lynch e Morgan Stanley vazam o temor de que o sucesso da economia brasileira dependeria, hoje, da permanência de Fernando Henrique Cardoso por mais tempo na Presidência.
Guiados por esse medo, empresários estrangeiros indicam que a decisão sobre investimentos estará condicionada, em parte, ao desfecho da tese da reeleição.
A lógica: se não puder se candidatar de novo, o presidente perderia forças para reformar o país nos próximos dois anos e assegurar condições para o Brasil crescer.
Essa tese só tem um problema: é uma bobagem.
Uma bobagem que faz lembrar os tempos em que dentro e fora do Brasil investidores imaginavam-se mais protegidos pela continuidade dos militares, vendo baderna na alternância de poder.
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Não dou nota acima de sete a Fernando Henrique Cardoso, devido à lentidão nas decisões, desarticulação social e por ter perdido a chance de reformar a Constituição no início de seu mandato.
Mas também não está abaixo de seis. Enfrentando a gritaria com toques de histeria do empresariado, ele controlou a inflação, assegurou moderado crescimento econômico e desmontou uma por uma, até aqui, as previsões catastróficas. Bilhões entram, agora, em investimento produtivo.
Melhorou a imagem do Brasil no exterior, estimulou a preocupação com a educação básica e trouxe o tema dos direitos humanos para a agenda palaciana. Sua administração está acima do regular.
Não é, portanto, por obra de manipulação mercadológica que considerável parcela dos eleitores afirma que votariam nele de novo; é uma análise que qualquer petista honesto faria.
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A tese da reeleição produz, entretanto, mentira e manipulação, ao vender o receio de que, sem Fernando Henrique, estaríamos mais uma vez próximos do caos -perspectiva que consultores e economistas brasileiros ajudam a cristalizar no exterior.
A estabilidade econômica não é prioridade apenas na cabeça de Fernando Henrique. É hoje, graças em parte a ele, reconheço, um projeto de nação.
Qualquer político que chegar à Presidência, seja Lula, Maluf, Ciro Gomes, Luís Eduardo Magalhães, sabe que o melhor caminho para o suicídio político é comprometer o combate à inflação; sabe também que a trilha mais curta para o fracasso é esculhambar ainda mais as contas públicas, produzindo maiores rombos.
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Como o brasileiro médio não costuma prestar atenção em política internacional, desconhece uma obviedade: raríssimos países no Terceiro Mundo têm uma situação tão privilegiada como a do Brasil, ao combinar democracia e estabilidade política.
Não temos guerrilha como no México, conflito de fronteiras como na Índia ou Paquistão, nem o fundamentalismo religioso da Turquia ou do Irã, ou a ditadura da China, Indonésia e Nigéria. Nem de longe temos as tensões da África do Sul. A Coréia do Sul vive o pesadelo atômico da Coréia do Norte.
Comparados aos gigantes Índia e China seríamos uma ilha de paz, não fosse a violência nas cidades, que faz lembrar guerra civil.
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Não se deve descartar, inclusive, a perspectiva de que a reeleição seja mais um risco do que uma ajuda à estabilidade. Para começar, não vai sair barata sua aprovação no Congresso.
Há uma possibilidade de que, ao disputar de novo seu mandato, Fernando Henrique seja acusado de usar a máquina do governo, desgastando sua imagem.
Duvido -repito, duvido- que os brasileiros encarem um presidente fazendo campanha como os americanos encaram Bill Clinton. Imagine como vai ser a formação da caixa de campanha, com todos aqueles empresários ávidos por demonstrar altruísmo.
O que vale mais: um Fernando Henrique desgastado na Presidência ou o ex-presidente respeitado, formando a opinião?
Afinal, se ele encerrar o mandato com inflação baixa, crescimento econômico, algum resultado na área educacional e, ainda por cima, fizer o sucessor, será o principal formador de opinião do país.
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O próprio presidente me disse de seu temor de que a opinião pública se escandalize com um candidato usando o avião presidencial para se deslocar, dormindo no Palácio da Alvorada, e assim por diante.
Pior. Nesta eleição municipal, o presidente não emitiu um sinal apaziguador. Deixou que seu maior amigo no governo, Sérgio Motta, promovesse baixarias para ajudar José Serra -baixarias indignas de um ministro. Sem contar o acerto com a Igreja Universal.
Se com um simples candidato a prefeito foi assim, como seria se estivesse em jogo a Presidência?
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PS - Essas baixarias seriam a chance de Paulo Maluf se comportar, com altivez e polir sua imagem. Preferiu seguir o tom das baixarias, incompatível com alguém que sonha com a Presidência da República.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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