São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996 |
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Descompostura ou desfaçatez
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY O empenho do presidente Fernando Henrique Cardoso em aprovar a emenda de reeleição está fazendo lembrar o que ele próprio, em 26 de maio de 1988, em artigo publicado nesta Folha, denominado "Dando e recebendo", qualificou de "desfaçatez". Naquela oportunidade, o então senador criticava severamente os esforços do Palácio do Planalto em garantir cinco anos, ou pelo menos quatro anos e meio, de mandato para o presidente, em troca da prorrogação por alguns meses dos mandatos dos prefeitos e com manobras que Fernando Henrique então condenava como fisiológicas.Considerei graves as declarações do vice-presidente Marco Maciel, publicadas pelo jornalista Fernando Rodrigues, de que perderão cargos no governo os membros do partido que não apoiarem a emenda constitucional que trata da reeleição, expressas em 1º de setembro. O vice-presidente fez questão de me dizer, por ocasião da audiência em que recebeu a coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que o jornalista havia interpretado mal as suas palavras. Dez dias depois, entretanto, o líder do PFL, Inocêncio Oliveira, explicitou: "Quem ficar contra tem que entregar os cargos. Quem ficar com o governo fica com o ônus e o bônus". Se o presidente já está estimulando tal atitude para conseguir a aprovação da proposta, pode-se prever que abandonará qualquer escrúpulo que poderia ainda ter nos idos de 1988 para usar a pressão da máquina de poder em seu favor durante a campanha eleitoral de 1998. Na verdade, já há sinais disso. É inconcebível que o governo, que diz ter preocupação com a eficiência das empresas estatais, considere normal que a Petrobrás, em flagrante desvio de suas finalidades, venha fazer pesquisas eleitorais com o objetivo de dar respaldo à campanha pela aprovação da proposta de emenda da reeleição. Os constituintes tiveram clara consciência do risco do abuso do poder por parte do presidente, dos governadores e dos prefeitos, ao exigirem a sua renúncia seis meses antes do pleito, se desejarem ser candidatos a outros cargos. Caso queiram se candidatar novamente e comprovar a confiança da população neles próprios, para os mesmos cargos, podem perfeitamente fazê-lo noutra eleição que não a subsequente. A rotatividade de lideranças, por seu turno, em todas as organizações, constitui um princípio extremamente saudável. Ao insistir tanto na tese da reeleição, o presidente da República inibe as próprias potenciais lideranças no seu campo político partidário de aspirar à Presidência. Os que poderiam ser candidatos naturais, o vice-presidente, governadores, ministros e parlamentares parecem só ter espaço para fazer considerações em favor da tese da reeleição. Quando algum político da base partidária governamental não segue tal diretriz, já é visto como alguém que tem que mudar de partido. São inúmeros os exemplos de que a alternância de pessoas constitui algo salutar. Na Câmara e no Senado, por exemplo, a eleição a cada ano dos líderes de bancada do PT tem proporcionado o surgimento de importantes lideranças. No Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a passagem do bastão de Lula para Jair Meneguelli, Vicentinho, Elguiberto Navarro e Luiz Marinho, sucessivamente, tendo os antecessores assumido novas responsabilidades em outras organizações, tem sido altamente positiva. Quando há a preocupação de formar uma equipe entrosada e equilibrada, que consegue ser bem-sucedida, ocorrem situações como as da Prefeitura de Porto Alegre, em que o PT está por eleger o terceiro sucessor, Raul Pont, depois de Olívio Dutra e Tarso Genro. Não é à toa que o governador Mário Covas se sente tão desconfortável em não poder dizer de sua aspiração à Presidência. Por todas essas razões, considero saudável para a democracia que não haja o princípio da reeleição. Assusta-me, também, a proposta do secretário nacional do PSDB, deputado Arthur Virgílio, segundo a qual os ex-presidentes da República se tornariam senadores vitalícios. No momento em que Itamar Franco e José Sarney se dizem contrários à reeleição, o governo procurar lhes oferecer a oportunidade de serem senadores para o resto de suas vidas parece mais uma forma de atenuar o seu esforço por manter as regras presentes da Constituição. A consciência do senador Fernando Henrique de 1988 chamaria isso de desfaçatez ou descompostura. Texto Anterior: QUASE IGUAL; REBANHO Próximo Texto: Brasil: prioridade da França Índice |
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