São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Vasto mundo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Muito divertido e ilustrativo um dos últimos rounds da guerra televisiva travada entre Serra e Pitta: os publicitários do primeiro descobriram que o candidato Edson Queiroz, do PPB de Fortaleza, repete para os eleitores locais exatamente as mesmas palavras que o apadrinhado de Maluf profere, muito sinceramente, por aqui.
Aquela história do "existem três coisas que eu acho que definem bem o que eu penso e como eu sou"...
Em compensação, os escudeiros de Pitta encontraram em Porto Alegre, no bico da tucana Yeda Crusius, o mesmo bordão de Serra: "mantendo o que está certo, corrigindo o que está errado e fazendo o que não foi feito"...
Engenharia de produto, produção em série, otimização dos resultados, construção de imagem, que nome tenha tudo isso no mundo do mercado: é a política sob o signo da publicidade.
Muitos sentem ímpetos de agir como a milícia afegã que tomou Cabul, enforcou o ex-presidente e espatifou aparelhos de TV nas ruas.
Outros, menos exaltados, são adeptos de imposições as mais estapafúrdias: não pode ter clipe, não pode ter cenas externas, não pode beijar na boca.
Não há, porém, como fugir à evidência de que o encontro da política com os meios eletrônicos e a publicidade é uma realidade que veio para ficar.
A seu favor, pode-se argumentar que manipulações e mistificações não são aquisições da TV para o mundo político.
Para ficar no passado recente, e no exemplo brasileiro, o coronelismo, os currais e o clientelismo prosperaram à margem das televisões -que nem existiam.
E haverá sempre, enquanto existir dissenso e democracia, o espaço para que o marketing se volte contra o marketeiro.
Foi o que ocorreu nesse episódio dos ventríloquos -e em outros momentos da campanha.
No caso, por exemplo, do "Fura-Fila", que cortou virtualmente a disputa paulistana como um grande achado e terminou estacionado no galpão malufista.
A animação computadorizada e as loas às qualidades do incrível veículo não resistiram à contestação de outros candidatos e às reportagens da imprensa.
*
Com TV ou sem TV, o fato é que o Brasil, esse país entre aspas, sempre pronto a escapar da racionalidade, parece estar mudando para não querer mudar.
Também aqui vivemos a construção do império do mesmo.
Estamos no consenso mundial.
Até os paralelepípedos dos velhos becos e avenidas não disfarçam o otimismo, e perguntam em tom de desafio: "Para que mudar?"
*
As tonalidades em conflito, as pinceladas em movimento, as rupturas e exasperações do painel internacional de duas décadas atrás foram substituídos por uma enorme tela monocromática que tenta fazer coincidir seus limites com as bordas da Terra.
Vivemos num mundo em processo de assemelhamento, que vai se propagando num jogo de espelhos a partir da imagem triunfante do novo capitalismo, do mercado, da competitividade, da eficiência e da tecnologia.
Mas nem tudo cabe na fôrma. Seja o desemprego, seja a miséria, seja esse outro mundo que conhecíamos através das aventuras de "Tintin".
Um outro mundo que volta a frequentar estridentemente as manchetes de jornais: a já citada milícia afegã, a guerra no Sri Lanka, os conflitos entre judeus e palestinos.
Muita coisa ainda está fora da ordem.
Se haverá -e como- assimilação, é uma história difícil de prever.
*
Agora, imagine se o Joãozinho, aquele personagem infantil com rico anedotário no Brasil, fosse estudar nos EUA...

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