São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Platini promete Copa do Mundo da ética

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DE PARIS

O maior jogador do futebol francês, Michel Platini, 41, chega amanhã a São Paulo para participar da exposição França 2000.
Considerado o melhor jogador europeu entre 1983 e 85, Platini abandonou os campos de futebol em 1987, sem nunca ter perdido para a seleção brasileira.
Jogou três vezes contra o Brasil. Venceu uma e empatou as outras, sendo que, na Copa de 86, ajudou a eliminar o time de Telê Santana.
Depois de cinco anos como técnico da seleção francesa, ele se tornou co-presidente do Comitê Francês de Organização da Copa de Mundo de 1998.
Após o Mundial ele não sabe o que fará. Mas jura que não será técnico de clube. "É muito trabalhoso. A não ser o cargo de treinador do Milan. Basta jogar 11 camisas em cima da mesa e quem pegar primeiro joga", brinca.
Leia, a seguir, a entrevista concedida por ele à Folha na sede do Comitê Organizador, em Paris.
*
Folha - O sr. acha que é mais fácil ser jogador ou dirigente?
Michel Platini - Não tem paralelo. O tempo é diferente. Só podemos ser jogadores quando somos jovens. Então é preciso fazer outras coisas. A lógica nos conduz a ser dirigentes. Não é mais duro, é diferente.
Folha - E o sr. acredita que é melhor quando um dirigente teve um passado de jogador?
Platini - Muitos dirigentes pensam nos jogadores. Acho que a visão de um dirigente que foi jogador de futebol é diferente da de um dirigente que nunca jogou.
O verdadeiro poder não é dado pelos jogadores. São os dirigentes entre eles que se dão o poder esportivo. Mas o poder popular é o jogador quem tem. Pelé, Zico, Maradona ou eu temos um poder que os dirigentes não terão jamais. Então eles são obrigados a buscar o poder em outro lugar.
Folha - Como está a organização da Copa do Mundo de 98?
Platini - Está indo bem. Os estádios estão sendo renovados ou construídos, como no caso do Stade de France. O Comitê Organizador começou com duas pessoas, vamos chegar a 15 mil. Preparamos os dossiês orçamentários durante três anos; agora os especialistas estão nos locais supervisionando os trabalhos. Os próximos passos serão o sorteio dos grupos e a escolha do nome do mascote.
Folha - Em que pé estão as obras dos estádios?
Platini - Há um estádio que está sendo construído, o Stade de France, e outro que está sendo renovado em 80%, que é o estádio de Marselha, para ter 60 mil lugares.
Os outros estão sendo reformados para ter apenas lugares sentados. E isso faz com que eles percam muitos lugares. O estádio de Lens tinha 50 mil lugares e vai passar a ter 42 mil com o fim das reformas.
Folha - Há quem diga que o cronograma das obras do Stade de France está atrasado.
Platini - Não acredito que exista algum atraso. Mas quem se ocupa das obras de renovação nos estádios são o Estado, as cidades e as coletividades locais. A gente apenas aluga os estádios.
Folha - Isso não o inquieta?
Platini - Não, pois não acredito que exista atraso.
Folha - O governo francês está ajudando o Comitê de Organização da Copa do Mundo de 1998? Quais são os custos da Copa?
Platini - O Estado se encarrega de renovar os estádios. No que diz respeito aos custos da organização não existe nenhuma subvenção.
Nós temos um orçamento de 1,680 bilhão de francos (cerca de R$ 336 milhões), que serão produzidos por duas fontes principais, o merchandising e a bilheteria. Nós temos já oito patrocinadores. Teremos 2,5 milhões de bilhetes à venda, que corresponderão à metade do orçamento previsto.
Folha - O sr. acredita que a Copa dará lucro? Há uma previsão?
Platini - Nós faremos tudo para que dê lucro, mas não temos nenhuma previsão. Não temos nenhuma referência. A última Copa na França foi em 1938 (risos).
Esperamos ter lucro, mas, como aqui não é os Estados Unidos, o dinheiro não irá para o bolso dos dirigentes. Ele irá para os cofres do Estado ou da Federação Francesa.
Folha - Na Copa haverá morte súbita. O sr. concorda? No Brasil não há muitos partidários da regra...
Platini - É normal, já que o Brasil ganhou a última Copa nos pênaltis. Mas eu sou favorável. Acho que é melhor ganhar com um gol do que com um pênalti.
Eu era favorável que, persistindo o empate após o tempo regulamentar, o jogo continuasse até o primeiro gol, sem o risco dos pênaltis. Mas a Fifa decidiu não ser extremista.
Acho que, se você diz a uma equipe que é preciso marcar um gol para se qualificar, o jogo não vai durar uma hora. Eles vão ficar inquietos. Se isso ocorre em oitavas-de-final, eles não poderão jogar duas horas, porque, senão, nas quartas-de-final, estarão mortos.
Para mim, era preferível que quem marcasse primeiro levasse, mesmo que demorando uma hora, duas horas, ou cinco minutos. Mas sem pênaltis.
Folha - A principal mudança da Copa-98 é o maior número de participantes. Isso tem causado algum tipo de problema?
Platini - Não podemos fazer uma competição longa. Haverá dois jogos por dia, três nos finais da semana. Antes havia seis grupos com quatro equipes. Agora haverá oito grupos com quatro equipes. Os dois primeiros se classificam. Isso vai tornar os jogos mais interessantes na primeira fase.
Folha - Dois terços dos 2,5 milhões de bilhetes devem ser vendidos na França, não?
Platini - A previsão é essa. É difícil prever a demanda das agências. Sabemos que 20% dos bilhetes serão destinados às federações estrangeiras e depois há as agências de turismo. Só então vamos pensar no público francês.
Folha - Vários brasileiros devem ir à França na Copa. Quantos lugares serão reservados ao Brasil?
Platini - Hoje ainda não dá para saber. Estamos credenciando as agências de turismo. Em novembro devemos começar a negociar com elas. Para o primeiro jogo, a Confederação Brasileira vai receber 10% dos ingressos, cerca de 7 mil bilhetes. E ainda haverá os bilhetes para as agências.
Mas a divisão dos bilhetes vai obedecer a outros critérios. Se a Bulgária jogar contra o Brasil, por exemplo, talvez não venham 10 mil búlgaros para ver o jogo. É provável que mais bilhetes sejam reservados aos brasileiros.
Folha - Haverá um passe especial para os torcedores estrangeiros?
Platini - Estamos pensando em criar um passe para as equipes. Para os torcedores brasileiros verem todos os jogos Brasil, por exemplo.
Folha - Dizem que a Fifa é muito rígida. É difícil trabalhar com eles?
Platini - Com a Fifa é fácil. O difícil é que a Fifa tem intermediários. É difícil tratar de contratos com a Fifa quando ela já tratou com outras empresas.
Folha - O que o sr. acha dos elogios da imprensa à atual seleção francesa, dizendo que é a melhor dos últimos anos?
Platini - Depende. Fui treinador da seleção há quatro anos. Estivemos invictos durante 20 jogos.
Depois surgiu uma nova geração de apoiadores muito melhor do que a anterior, com Zidane, Djorkaeff, Martins, Pedros.
Eu não tive isso. Em compensação tinha Papin e Cantona, dois grandes atacantes. Nós não temos isso atualmente. Mas a atual equipe tem um potencial criativo mais interessante.
Folha - Em 1982 o Brasil tinha um excelente meio-campo, mas o ataque não tinha um jogador do nível do Romário, por exemplo.
Platini - Mas, em 1994, com um Bebeto e um Romário vocês não precisaram de um bom apoiador.
E isso aconteceu comigo. Quando havia Papin e Cantona eu não tinha necessidade de ter um Zidane ou um Djorkaeff, porque eles sempre marcavam gols.
Mas a equipe do Brasil de 1982 era excepcional. Era do mesmo nível da de 1970.
A equipe de 1982 era muito melhor do que a de 1994, mas a de 94 venceu. Para ganhar uma Copa é preciso um pouco de sorte. As coisas se passaram bem para a equipe de 94, mas todas as gerações vão se lembrar mais do time de 82.
Folha - Como você avalia a seleção francesa?
Platini - É um time com um grande potencial, demonstrado poucas vezes. Está invicto há vários jogos, o que é excepcional.
Mas é preciso aproveitar esse potencial. Para isso o treinador (Aimé Jacquet) deve fazer escolhas. Nos falta grandes atacantes.
Folha - Papin e Cantona continuam em atividade, só que eles não estão na seleção.
Platini - Sim, mas isso é um problema do treinador. Eu falo em geral. Nessa nova geração não há grandes atacantes, mas há bons jogadores na defesa e no meio.
Folha - Quais são os candidatos ao título em 98?
Platini - Sempre os mesmos, Brasil, Argentina, Itália e Alemanha. Há países que emergem. Espero que a França, como país organizador, seja um deles.
Mas a organização da Copa é para todo mundo, não para a França. Não vamos colocar a França para jogar apenas no seu estádio, como fez a Inglaterra na Eurocopa, só jogando em Wembley. Nós respeitamos uma certa ética.

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