São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Lei Dinei

JUCA KFOURI

Quem erra tem de pagar, eis uma lei da vida. Dinei errou e pagará. A questão está em saber se pagará a pena diretamente proporcional ao erro que cometeu.
Nem importa aqui discutir a óbvia caducidade da legislação sobre doping que vigora no Brasil. Importa discutir um conceito.
É claro que atletas não devem usar cocaína. Como, por sinal, não devem beber nem fumar. Aliás, diz a ciência, ninguém deve.
A idéia, falsa, é a de que atletas servem como exemplo para os jovens. Mas atletas usam cocaína, bebem e fumam. "Quem corre atrás da bola não usa bolinha, craque na bola foge de crack na escola", eis outra mentira.
Não teria sido melhor deixar Dinei continuar a jogar, adverti-lo e avisá-lo de que seria submetido aos exames antidoping em todos os jogos?
Suspendê-lo por oito meses não equivalerá a condená-lo ao uso das drogas definitivamente? A idéia da pena é a de corrigir o faltoso, recuperá-lo ou é apenas de puni-lo?
Mais: se o sentido da legislação antidopagem é impedir que um atleta use meios ilícitos para levar vantagem sobre os concorrentes, qual foi o crime de Dinei? Não seria o caso, para ser coerente, que os exames acusassem também a presença de álcool ou nicotina?
Não é uma ironia Élcio ter sido absolvido por um anacronismo da lei -ele que é acusado de ter usado uma substância que lhe traria vantagem sobre seus adversários-, e Dinei, punido tão severamente? Não há limites para a hipocrisia?
O fato é que Dinei está jogado às feras, condenado ao ócio e rotulado, como se o uso de drogas definisse o caráter de alguém, quando, no máximo, pode mostrar se uma pessoa é mais fraca ou mais forte.
Há, por exemplo, viciados que são incapazes de abandonar o estúpido ato de fumar -caso deste escriba- e nem por isso têm seu caráter posto em dúvida, apenas sua força (ou falta) de vontade.
Quase certamente se esta Folha exigisse (o que seria um absurdo, mas vale como provocação) que seus colunistas não fumassem, a necessidade material de sobrevivência falaria mais alto que o efêmero prazer de um cigarro aceso.
Não seria absurdo induzir um atleta a não usar mais cocaína com o anúncio de que seria permanentemente objeto de exames antidoping.
Talvez nem seja a melhor solução, embora seja incomparavelmente preferível à sentença imposta a Dinei, com seus 25 anos de idade. Está na hora de uma lei Dinei.

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