São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Ameaças de catástrofe

CRODOWALDO PAVAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A frase de Horgan -"a grande era das descobertas científicas acabou"- soa como a maneira pela qual os aristotélicos mal usaram as contribuições científicas de Aristóteles. Esse grande pensador grego foi extraordinário em suas interpretações filosóficas, mas errou em muitas deduções do que se conhecia de ciência na época.
Os aristotélicos desenvolveram seus pensamentos e ações na pressuposição de que Aristóteles estava certo em tudo ou quase tudo o que dissera. Associando-se aos religiosos, numa campanha de como deveria ser a orientação do pensamento universal, foram os principais responsáveis pelo quase nulo desenvolvimento científico do Ocidente por quase 2.000 anos.
Não é esse o caso de Horgan, mas mesmo assim, se aceito, pode ter influência negativa no desenvolvimento científico.
O desenvolvimento das idéias e a ponderável expansão do conhecimento científico ainda são pequenos para irmos tão longe. Aceitar as idéias de Horgan seria menosprezar a criatividade humana e emperrar o processo científico que ainda está no início de seu desenvolvimento, além de endossar uma proposta dogmática que por enquanto ainda tem muitas bases hipotéticas.
Achar que já temos bases suficientes, paradigmáticas ou não, para interpretar de modo satisfatório o mundo em que vivemos pode ser válido para os indivíduos crentes. Como doutrina, seria anticientífica e acomodativa. É uma provocação.
Na área biológica, estar totalmente satisfeito apenas com as atuais concepções básicas sobre a evolução das espécies, a formação dos sistemas ecológicos e as leis que regem os vários tipos de equilíbrio biológico é ser muito acomodado e sem dúvida fora da realidade.
Na atual condição do desenvolvimento do sistema biológico na crosta da Terra e o futuro do homem nesse sistema, temos problemas prementes.
Um exemplo: principalmente devido ao desenvolvimento científico e tecnológico, o Homo sapiens, uma dentre as mais de 20 milhões de outras espécies que existem na Terra, consome sozinho cerca de 40% de toda energia consumida pelos seres vivos.
Como está demonstrado, o homem é um parasita do meio ambiente e, se quiser sobreviver nele, precisará se comportar como os parasitas de sucesso na natureza -aqueles que debilitam, mas não matam o hospedeiro. Por enquanto não estamos sendo "bons parasitas".
Os grandes males causados ao meio ambiente, decorrentes de muitas atividades humanas que em futuro próximo devem ser modificadas, precisarão de muita ciência para saná-los.
Há o fenômeno da resistência dos microorganismos patogênicos aos antibióticos, alguns resistentes a todos os existentes. Uma condição biológica confirmada mostra que as bactérias resistentes a vários antibióticos adquirem mais facilmente resistência a uma nova droga do que as bactérias sensíveis ou resistentes a poucos antibióticos.
Essa situação ocorre também com relação às pragas agrícolas e aos pesticidas.
Hoje existem pragas agrícolas graves que são resistentes a todos os pesticidas. Para contornar o problema, os agricultores de alguns países desenvolvidos da zona temperada têm de estabelecer um rodízio de culturas.
Outro problema muito grave e que muito preocupa a Organização Mundial de Saúde, os vários órgãos agrícolas nacionais e internacionais, é o fato de que, para que as indústrias químicas e/ou farmacêuticas consigam desenvolver um novo antibiótico ou um novo pesticida, o custo é relativamente alto e o tempo de eficiência da droga vem se tornando cada vez menor devido a maior capacidade dos agentes perniciosos se tornarem resistentes.
Hoje nenhum antibiótico ou pesticida dura mais do que três anos de uso antes de aparecerem agentes específicos que se tornam resistentes (ao antibiótico ou ao pesticida). Muitas novas drogas não duram mais do que um ou dois anos antes de aparecerem formas resistentes.
O curto tempo de eficiência da droga é insuficiente para que o produtor recupere de forma normal o capital gasto nas atividades de descoberta e produção da droga, além do lucro que deve obter. Essas complicações têm desestimulado as indústrias químicas e farmacêuticas a desenvolverem atividades de descobertas de novas drogas nessas áreas. Precisamos, portanto, criar alternativas se quisermos manter a produção agrícola dentro dos padrões desejáveis.
Para finalizar, sem querer ser apocalíptico, é importante lembrar o que vem se passando com pelo menos duas infecções virais, conhecidas recentemente, o vírus HIV e o Ebola, que acreditamos serem acontecimentos que deveriam ser tomados como avisos prévios de outros acontecimentos muito mais graves que poderão ocorrer. Se não nos prevenirmos com urgência poderemos enfrentar no futuro situações semelhantes às das grandes pragas do passado, em que muitas populações humanas, não estando cientificamente preparada, sofreram graves danos, hoje históricos.
Conhecemos bastante a genética e biologia dos vírus, mas para podermos enfrentá-los, deveremos ainda fazer "grandes descobertas" que sem dúvida mudarão muitos dos conceitos hoje estabelecidos.
O estudo dos vírus deveria ser prioritário. Para esse e outros estudos semelhantes precisamos de muita ciência e trabalho. Para manter cerca de 6 bilhões de pessoas -que serão mais no futuro- é preciso muito planejamento, vontade política, trabalho e discussões como as que estão ocorrendo nessa edição do Mais!
Concluindo, poderíamos dizer que, para a solução do problema ecológico e biológico que aqui mencionei, o pesquisador pode, e em parte deve, usar apenas as bases dos conhecimentos estabelecidos. Mas os que assim agem estão sendo somente técnicos. Para ter comportamento científico devem, mesmo na solução dos problemas mais simples e com bases totalmente estabelecidas pelo "establishment", sempre que puderem, fugindo das sugestões de Horgan, tentar testar se as bases estabelecidas são realmente válidas e se realmente funcionam.
Essa é uma das fórmulas para se conseguir descobrir coisas importantes em ciências, criar novas idéias e, assim, colocar alguns tijolos no importante edifício da ciência.

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